O “Nhô Quim” e desaforos

Nhô QuimOs mais antigos sabem e os pragmáticos não se cansam de repetir: “Dinheiro não aguenta desaforo.” Assim ocorre, também, com as instituições. Quando se abusa delas, quando se deixa de respeitá-las, quando não são valorizadas, quando perdem a identidade, elas não suportam os desaforos e ruem. Aconteceu com o E.C.XV de Novembro, o glorioso “Nhô Quim”, um dos mais significativos símbolos e marcas de Piracicaba.

O “Nhô Quim” nunca viveu sem paixão e sem respeito. Sobreviveu a todas as borrascas e desventuras quando teve, em seu comando, pessoas que o amaram e que, por isso mesmo, conseguiram mobilizar a comunidade em torno dele. Desde o início, em 1949, quando o E.C.XV de Novembro foi o primeiro clube do interior a ingressar no fechado campeonato da Federação Paulista de Futebol, Piracicaba se ergueu para dar, ao “Nhô Quim”, um alicerce sólido. Sob o comando do então prefeito Luiz Dias Gonzaga, os piracicabanos se revezavam para reformar o estádio da rua Regente Feijó – onde, agora, melancolicamente está um supermercado – construindo arquibancadas, cumprindo as exigências da Federação. Em tempo recorde – pois havia prazos – o estádio foi concluído. Era a “panela de pressão”, o “Roberto Gomes Pedrosa”, palcos de acontecimentos memoráveis, de disputas históricas, por onde desfilaram jogadores do nível, entre outros, de Leônidas da Silva, Julinho Botelho, Pelé, Pagão, Jair da Rosa Pinto, Baltazar, Gilmar. E onde nasceram, para o estrelado, De Sordi, Idiarte, Gatão, Pedro Cardoso, Chicão, figuras, entre tantas outras, que formaram um panteão imaginário de heróis futebolísticos.

A paixão moveu o “Nhô Quim”. E, talvez, o último símbolo de dirigente que viveu essa história de amor com o XV tenha sido Romeu Italo Rípoli, que ficou na memória dos piracicabanos por esse seu entranhado vínculo com a agremiação. Depois dele, houve a sucessão de tentativas e de atropelos. E o desaforo da TAM – que chegou a mudar as cores do “Nhô Quim” – levou ao limite do insuportável. Quando se vulgariza o ícone por interesse particular, destrói-se o ídolo. E é esse, parece, o grande desaforo que o “Nhô Quim” não suportou: ter servido a interesses de poucos, deixando de ser patrimônio de todos e, especialmente, um patrimônio cultural de Piracicaba. Pois, mais do que esportivo, o nome “Nhô Quim” é o patrimônio de uma cultura especial e diferenciada, a cultura caipiracicabana. Qual outra cidade tem uma grife esportiva nacionalmente conhecida como a nossa? Onde se fale de “Nhô Quim” fala-se de Piracicaba. E também o contrário.

A saga do “Nhô Quim” continua dolorosa. E dói ver que Piracicaba, a primeira cidade a ter um time na divisão especial do futebol, tão distante das grandes comemorações esportivas, quando cidades vizinhas – como Rio Claro, Itu, Mogi Mirim, Americana – com tão pouca tradição futebolística, pertencem à elite do futebol paulista. Ainda outra vez, o “Nhô Quim” revela a penúria em que se encontra. Mais uma vez, fracassos somando-se a fracassos anteriores. E, ainda outra vez, a análise simplista de que “os piracicabanos devem se unir em torno do XV”. Ora, não há necessidade de qualquer apelo para que isso aconteça. Basta haver uma liderança forte, sincera, com credibilidade, que provoque a catarse de que o XV necessita: o redespertar de uma paixão. Se Piracicaba não se entusiasma com os que dirigem o XV, esse é o sinal claro de que a Cidade vive a condição do gato escaldado que, como se sabe, tem medo de água fria.

O lamentável de tudo é que não se tenha a dimensão do valor simbólico do “Nhô Quim” até mesmo como significado turístico. Na realidade, falta o líder. Não adianta haver preocupações de ordem empresarial, que são legítimas e necessárias, se não houver o líder que inspire confiança na população, que desperte a paixão adormecida pelo XV. O “Nhô Quim” é paixão! Se essa linguagem não reaparecer, se esse sentimento não transpirar a partir dos dirigentes, outro desaforo estará configurado. E desaforo o “Nhô Quim” não suporta mais. Morre de cansaço.

Há alguns anos, não tivemos receio de afirmar que o futuro do XV poderia passar pela UNIMEP. Ainda agora, quando aquela instituição começa a superar sua grave crise, acreditamos nisso. Que as lideranças e Cidade saibam como sensibilizar a Universidade para uma fusão que poderá ser, em todos os sentidos, generosa para com a população, especialmente para com a juventude. Que a Universidade entre com a estrutura e a comunidade com os investimentos. Por que não tentar? A universidade com sua estrutura, com seus cursos, com seus profissionais; o empresariado e Prefeitura com investimentos. XV, Unimep, Piracicaba – não seria um triângulo quase perfeito? Bom dia.

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