O parto da macaca

SaguiNão tive coragem de assistir ao nascimento de nenhum dos meus filhos. Não sei se por medo, se por covardia. Sabia tratar-se do admirável milagre da vida. Talvez, por isso mesmo, eu me deixava tomar pelo medo de mergulhar no desconhecido, na magia, no deslumbramento. Recusava-me a presenciar o parto da mãe de meus filhos, tomando fôlego, no entanto, para ver o bebê quando em meus braços. Foram – ainda são, agradeço a Deus – cinco filhos. Um a um, junto a meu peito, senti a felicidade plena, a de ser pai. Mas não os vi nascer.

A verdade, porém, é que o milagre da vida ainda hoje me espanta, deslumbrando-me. Estranhamente, quanto mais me avanço em idade, mais sinto o esplendor da vida e, com ou diante dele, a alegria de viver. No silêncio das tardes – ou na festa de cores e sons de cada amanhecer – espanto-me com as maravilhas que nos foram concedidas e que – por cegueira de um tempo caótico – deixamos de perceber. Com pena dos muitos que nada vêem e ouvem, alimento a pretensão de ver e ouvir pelos cegos e surdos. E vejo e ouço cada vez mais deslumbradamente. Tenho até receio de estar ficando bobo, tal a paz que me traz o mistério.

Não há livro nem estudos, penso eu, que superem a contemplação do ritmo silencioso da natureza. Aprende-se na contemplação. Foi quando entendi o porquê de nunca ter encontrado, ao longo da vida, jardineiros maus ou desumanos. Até devem existir, mas não conheço nenhum. São homens e mulheres serenos, pacíficos, pacificados. Um deles, certa vez – num final de outono – remexia a terra em silêncio. Quando me aproximei para conversar, ele pôs um dedo nos lábios e me pediu: “Fale baixinho. Nessa época, as plantas estão dormindo.”

E, dia desses, uma jovem mulher – fazendo jardinagem num dos meus vizinhos – pediu-me permissão para olhar o meu jardim, andando por ele. Na verdade, parece uma pequenina floresta. A jovem mulher, encantando-se com cada plantinha que via – com pedras, com limbo, com um vôo de pássaro – acabou contando-me a transformação que se dera em seu filho adolescente. O menino – como quase todos de sua geração – não se afastava do computador, dos jogos, do celular. Então, ela, a mãe, começou a insistir para o garoto ajudá-la nos cuidados do jardim de sua própria casa. O menino relutou, acabou indo. E continuou indo. Finalmente, apaixonou-se pela terra – mal sabendo que, na verdade, se tratava de sua própria origem – e se tornou jardineiro também. O computador ficou esquecido. E ele decidiu estudar Agronomia.

A natureza fascina. E ensina e dá lições. Tenho aprendido. E eu – que tive medo de ver o nascimento de meus filhos – fui o privilegiado espectador do parto de uma das macacas – bando de sagüis – que saltitam em minhas árvores. Fiquei paralisado, hipnotizado, vendo o saguizinho saindo do ventre da mãe, o macho ao lado, observando e protegendo. Se sempre me pareceu uma bênção – ou uma chuva de graças – ter famílias de sagüis em meu jardim, acabei vivendo a intimidade com o divino ao presenciar o parto da macaca. Tão natural, tão simples, tão generoso que me aumenta a convicção ou a esperança: o ser humano não pode ser mal por natureza, tantas as maravilhas e belezas de nossas origens, dos bens que nos cercam, ainda que tenhamos olhos para ver apenas males e malfeitos.

Foi, sim, uma ironia da vida, bendita ironia. O homem que teve medo de ver o nascimento dos filhos acabou assistindo ao milagre do surgimento da vida no parto de uma macaquinha. Deus é um brincalhão. Bom dia.

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