O passarinho e o elefante

picture.aspxFoi no início dos 1980, num metrô em São Paulo, onde e quando detectei o primeiro grande sinal da barbaria social chegando à classe média. Uma ainda jovem mulher, grávida, ficou em pé diante do banco em que eu me sentara. De imediato, levantei-me para lhe ceder o lugar. E ela me olhou com desprezo, recusando a atitude civilizada: “Você pensa que gravidez é doença?” – perguntou-me.

Alguns anos depois, submetido a uma cirurgia no pé, precisei andar algum tempo apoiado numa bengala. Desci do carro, manquitolando, a dor certamente expressa no rosto, a bengala como minha sustentação para não cair. Então, vindo em minha direção, alguns garotos começaram a fazer chacotas e, sem nenhum razão senão a do sadismo selvagem, quebraram a bengala para que eu caísse no chão. Pessoas passavam e viram o ocorrido. Ninguém se deteve para me ajudar ou para reagir à selvageria dos adolescentes.

Num jantar entre intelectuais, escritores, jornalistas, a famosa poetisa sentou-se a meu lado, uma conversa agradável e civilizada. Após o café – quando ainda se fumava em restaurantes – ela tirou o cigarro da bolsa, levou-o aos lábios. Como sempre fizeram os cavalheiros, apressei-me a acender o isqueiro. E ela: “Você é ainda desse tempo? Deixe que eu acendo meu próprio cigarro.”

Numa praia do litoral Norte, freqüentada por pessoas privilegiadas e de alto nível econômico, moças e rapazes atiravam latinhas de cerveja no chão. Pedi-lhes, com delicadeza, que usassem os lixinhos da praia, alguns deles ao lado das barracas. Nem sequer me olharam e continuaram jogando latas. Comece a catá-las e a jogá-las no lixinho, intenção pedagógica de civilidade. Os jovens, com seus carrões acostados na avenida, entusiasmaram-se, passaram a jogar latas na areia ainda mais animadamente: “Oi, lixeiro, tem mais latinhas para você catar.”

Lembro-me dessas coisas, dessa desagregação acelerada e progressiva, diante do desânimo de uma mulher já idosa que resolveu ir a supermercados com aquelas antigas sacolas de feira, de pano, na tentativa de diminuir a poluição ambiental. Mulheres mais jovens, apressadas, riam-se dela, entupindo os carrinhos com sacolas e mais sacolas de plásticos.

Diante do desânimo da velha senhora, recordei-me da antiga e preciosa fábula do incêndio na floresta. Desesperado diante das chamas e do fogo, o passarinho, com bicadinhas frágeis, ia até o riacho, colhia uma gotinha d´água, lançava-a ao fogo. Ia e voltava, tornava a ir e a voltar, uma gotinha d´água por vez para tentar debelar o incêndio. O elefante riu-se de tanto esforço, zombando: “Nem eu, com minha tromba, consigo jogar tanta água para apagar o incêndio, imagine você, com esse seu biquinho…” O passarinho continuou a ir e a voltar e apenas respondeu: “Faço a minha parte.”

Na Prefeitura de Piracicaba, não há ninguém dignamente civilizado que tire pelo menos um outdoor por dia de nossas ruas poluídas pelo poder municipal. Não há quem faça a sua parte, como se a sujeira oficial fizesse parte do coletivo. Bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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