O “polígamo monogâmico”

Conheci um poeta que, falando de si mesmo, de sua vida e de seus amores, tomava, para si mesmo, o que o Mário de Andrade já dissera: “sou um polígamo monogâmico”. O que ele queria dizer é que era um homem de muitos amores, mas fiel a cada amor, um por vez.

No fundo, era aquilo do Vinicius de Moraes sobre a durabilidade do amor: “eterno enquanto dure”. Dizem que são pessoas volúveis, como se isso fosse um mal. E é um bem. Nada existe de tão gostoso na vida quanto ser volúvel, incoerente, livre de prisões. De minha parte, gostei daquele “polígamo monogâmico”, pois me deu algumas explicações pessoais.

Falo de amores humanos, não apenas amor por uma mulher. E me refiro, especialmente, à minha máquina de escrever, que era o amor maior de minha vida. Mas, um belo dia, lhe traí.

Tudo começou como simples curiosidade, quase uma brincadeira. Fui flertando com o maldito computador, e os computadores são e sempre serão malditos. Uma piscadela aqui, uma apalpadela lá, um encontrozinho sem compromisso, fui descobrindo alguns de seus segredos primários – acabei descobrindo que o computador não era nenhum ser inatingível.

Lembrei-me da Sophia Loren. Eu tinha paixão pela Sophia Loren, mas nunca nutri qualquer ilusão a respeito dela, pois, na verdade, eu tinha medo só de pensar se, por uma articulação dos deuses, um dia eu viesse a encontrar-se a sós com a Sophia Loren, num jantarzinho à luz de velas, clima de romance. Ora, se viesse a acontecer, eu sairia correndo. Ela era muito mulher para mim, eu tinha até medo de pensar.

Com o computador, foi a mesma coisa inicialmente. Complicado demais para a minha cabeça e os meus talentos, cada homem conhece os seus limites. O fato é que, conversa vai e conversa vem, comecei a ter intimidades com o maldito computador. E descobri que poderia ter, com ele, algumas liberdades: passa a mão aqui, dá um toque de leve ali, um carinhozinho, a coisa foi andando. E sabem o que aconteceu? Gostei. Ele não era tão inacessível, nem tão inatingível.

E, então, fui deixando de lado o velho amor, a máquina de escrever. Tornei-me um volúvel, “polígamo monogâmico”. E metido a besta, sentindo-me um conquistador irresistível. Posso dizer que foi um êxtase, a mesma emoção que se tem quando, finalmente, se conquista a mulher desejada. Ai de mim!

Foi quando eu traído, escandalosamente traído. Pois, quando pensei que já dominava o maldito computador – e cheguei a esnobá-lo, a fazer luxinho – eis que ele me deu o troco: perdi tudo o que tinha escrito.

E eu não entendia, não conseguia admitir, pois estava tudo lá, na telinha, e, de repente, sumia. Disseram-me que, de vez em quando, o computador tem pane de memória, seilá eu se isso era verdade.

O fato é que paguei caro por ser volúvel, ainda que um volúvel fiel, o “polígamo monogâmico”. E voltei, então, por mais um período, à velha máquina de escrever.

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