O prefeito e a censura
Ao que parece, a censura a meios de comunicação depende da notoriedade ou do poder da própria imprensa. Quando pequenos jornais são censurados, faz-se silêncio. Se se trata, porém, de chamados grandes veículos, a censura se transforma em escândalo nacional, com manifestações de todos os setores da sociedade, também com a indignação geral. O prefeito de Barueri, Rubens Furlan, passou a fazer parte dos censores deste país, truculentos que temem a liberdade da imprensa e que se refugiam em falsos valores democratas. Ao pedir a censura ao programa CQC, da Bandeirantes, o prefeito despertou a indignação geral, da mesma forma como, até hoje, o Estadão anuncia o tempo em que diz estar sob censura em relação a processos envolvendo um dos filhos de José Sarney.
Com o desaparecimento de uma geração de velhos piracicabanos, combatentes democráticos, as novas gerações de Piracicaba pouco sabem de grandes lutas em nossa cidade e de grandes tiranias e violações à liberdade. Piracicaba é um dos berços da imprensa livre do Brasil, consciência que nos vem desde o Império, quando um dos grandes proprietários de terra em nosso município e fundador do império de Monte Alegre, o baiano José de Costa Carvalho, fundou o primeiro jornal de São Paulo, “O Farol Paulistano”. Piracicaba teve, ainda no império, jornal escrito à mão. E foram os Moraes Barros que implantaram o primeiro jornal republicano, a antiga e desaparecida “Gazeta de Piracicaba”, da qual a atual e pertencente ao grupo campineiro RAC é homônima.
Há uma história de heroísmo no jornalismo piracicabano, desde a abolição à república, no enfrentamento de ditaduras, tanto a de Getúlio quanto a dos militares. E ninguém pode nos tirar – e o digo com orgulho desmedido – o privilégio de ter sido o nosso jornal “O Diário” o primeiro jornal brasileiro a se levantar contra a censura imposta pelo AI-5. Dois dias após a divulgação do ato ditatorial, O Diário foi às ruas com suas colunas em branco, em protesto contra a violentação da liberdade de imprensa, de pensamento e de opinião. O Estadão e o Jornal da Tarde divulgaram poemas de Camões e receitas culinárias apenas algum tempo depois.
No entanto, há uma história sórdida de censura em Piracicaba, ou de tentativa de calar jornais, quase sempre no conúbio entre políticos e empresários. O Jornal de Piracicaba, antes de ser adquirido pela família Losso, foi quase empastelado pelos velhos coronéis, quando aconteceu a prisão desumana do notável Coriolano Ferraz, médico, político e benemérito da Santa Casa. Luciano Guidotti arrebentou, com os próprios pés, balcões da velha e heróica “Folha de Piracicaba”, que ele mesmo ajudara a fundar. E, mais recentemente, dois pilares do tucanato piracicabano, Antônio Carlos Mendes Thame e Barjas Negri, deixaram suas marcas históricas de censores sem rubor. Thame determinou a censura aos jornais Tribuna de Piracicaba e ao já extinto O Democrata, que foi impedido de circular com força policial à porta da redação. João Herrmann Neto censurou a Tribuna e, antes mesmo de sua posse, Barjas Negri dava provas de seu conhecido autoritarismo quando, para espanto geral, pediu a censura do Jornal de Piracicaba, que não reagiu, portando-se como cordeiro. Barjas Negri e o PSDB pediram, à Justiça, que o Jornal de Piracicaba fosse proibido de publicar artigos deste jornalista. Como sou decano desta imprensa e com experiência suficiente, impedi que o Jornal de Piracicaba passasse pela humilhação e pela impotência de seu diretor e escrevi sobre pizzas.
Tal como em Barueri, pois, os censores estão vivos em Piracicaba. Mas parece que a repercussão por aqui não ecoa, como se a covardia cívica tivesse anestesiado a população. E o resultado está aí: governos sem oposição, imprensa silenciosa, lideranças coniventes e uma Câmara Municipal que mergulha no ridículo por seu silêncio, sua submissão e cumplicidade.
Povo sem imprensa livre é povo sem segurança. E por imprensa livre entenda-se a imprensa honesta, comprometida com o próprio povo e não com grupos e partidos políticos. O CQC conseguiu que o povo de Barueri se envergonhasse de seus governantes. Por aqui, o céu continua sendo enganadoramente de brigadeiro. Mas há uma previsão possível, uma realidade inevitável: quando a explosão vier, não sobrará pedra sobre pedra no edifício político-partidário e seus comparsas, empreiteiros, construtores, imobiliárias. Bom dia