O que mais amar em Piracicaba

Honrado a palestrar, no SESC, com jovens e adultos amantes de Piracicaba, fui tomado de emoção ao perceber o interesse que nossas coisas e nossa gente, nossa história e nosso passado despertam nas novas gerações. Alguns dias antes, nas comemorações do Dia de Piracicaba pelo IHGP, tive a honra de falar aos meus confrades do grande erro que corríamos, os mais velhos, em não estarmos mais próximos da juventude, mesmo que indo em busca dela, essa mocidade ameaçada de se tornar prisioneira de internet, computadores, contatos virtuais.

No SESC, confirmou-se-me o que me era simples intuição ou suspeita: a juventude tem fome e sede de saber de suas origens, da história anterior à que ela está vivendo. Vejo isso em meus netos, quando me perguntam de seus bisavós, dos ancestrais. E ouvia, dos moços, naquela palestra, o mesmo interesse quase angustiado por encontrar pelo menos pistas de suas raízes. Piracicaba apaixona todas as gerações. E eu uma mocidade apaixonado por sua terra, por sua cidade, por sua história, ainda que perplexa diante dos dias conturbados e atordoantes que temos vivido, graças ao pragmatismo de lideranças que têm medo da memória e do passado.

Um dos moços, pouco mais do que um adolescente, me surpreendeu com uma pergunta que, confesso, me tomou de surpresa, algo em quê nunca pensara. Perguntou-me ele: “o que você mais ama em Piracicaba?” Fiquei em silêncio por alguns segundos, longos segundos. Pois eu não tinha respostas. Foi-me como se me perguntasse o que mais amei em minha mãe, o que mais amo em minha mulher ou em meus filhos. E, então, senti a alegria de toda uma realidade: não se amam pedaços, ama-se o todo.

Minha mulher me disse que, na opinião dela, o que mais eu amo é o rio. Não, não é, como tenho certeza de não ser o rio o grande amor dos poetas que o cantaram, dos artistas que o pintaram em telas inesquecíveis, de fotógrafos que o retrataram. O rio faz parte, é o umbigo, o cordão umbilical, a fonte inspiradora, o visível que parece eterno ainda que suas águas passem e se vão a cada instante. As margens, o salto, as pedras, as aves, as árvores, os arbustos, o doce cantar das águas, tudo isso encanta e emociona, mas não é o que mais amo. É, na verdade, a chama que mantém a paixão por todo o conjunto.

Confesso não estar conseguindo amar essa Piracicaba turbulenta, enlouquecida, descontrolada, desordenada também por culpa de administradores e políticos que não se preocupam em harmonizar desenvolvimento e história. Não posso amar a violência, a degradação ambiental, a poluição sonora e visual aliás estimulada até pela própria Prefeitura, nem posso amar apenas pontes, rotatórios, avenidas destinadas a dar mais espaços a automóveis e cada vez menos espaços a peças. Não posso amar o descalabro na saúde, na educação, na organização social, no desprezo às populações mais carentes. Não posso amar a sujeira que se acumula em ruas, buracos que enfeiam passeios, asfaltamento feito como que a propósito para se deteriorarem rapidamente. Isso tudo é um mal e não há como amar o mal, por mais sedutor e enganador seja.

Piracicaba, insistirei até o último suspiro, é um nicho especial, de cultura e de saber, de arte e de sensibilidade e, portanto, esta cidade é, antes de mais nada, um estado de espírito. Não é uma apenas uma cidade, mas um relicário de história e de pioneirismos e de referenciais. Nosso sotaque, nossa cordialidade, a nossa maneira de ser, a familiaridade entre as pessoas, o espírito de aldeia, o magnetismo poético que existe como que solto no ar, Piracicaba é tudo isso. E uma história admirável que honra São Paulo, um dos berços do Brasil republicano. Ama-se Piracicaba pelas realizações e exemplos de nossos ancestrais, pelas lições que nos deixaram, pelas obras que construíram, pela cidade que eles sonharam e que conseguiram fazer.

Não consegui falar essas coisas ao jovem, na palestra do SESC. E nem consigo escrevê-las aqui. Dizer o que mais amo em Piracicaba precisaria de uma nova vida para escrever livros e mais livros, como uma Sheerazade contando histórias de mil e um noites. Bom dia.

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