O vício do “pensamento único”

Pensamento únicoA queixa de um leitor – considerando não haver “isenção” neste jornal pela publicação de um artigo de Paulo Moreira Leite – preocupou-me. E conduziu-me a uma reflexão mais profunda diante da gravidade de um perigo que pode esmagar-nos em definitivo: o vício do “pensamento único”. Pois as pessoas parecem estar, cada vez mais acentuadamente, deixando de pensar por si mesmas, permitindo que outros pensem por elas. É a aparente vitória do “pensamento único”, que busca – por outros meios e vias – alcançar a utopia bíblica de “um só rebanho e um só pastor”.

A questão é complexa e delicada demais para se resumir a apenas poucas linhas de uma crônica. Palavras são perigosas. E o uso inadequado delas pode levar a erros, equívocos e, até mesmo, a tragédias. Criam-se conceitos nem sempre verdadeiros. No jornalismo, a imparcialidade e a isenção não são virtudes, mas defeitos. Um jornal tem que ser participativo, atuante e responsável diante de seu público ou face à sociedade de que faz parte. Logo, não se pode dar à pretensão de frieza olímpica, de não pensar por si mesmo, de não fazer escolhas. Se ou quando o fizer, o jornal será apenas um folhetim ou uma publicação de anúncios.

O jornal e o jornalista têm, apenas, que ser honestos. Não podem dissimular ou simular, não podem omitir ou mascarar fatos. Isso significa que – para o bem ou para o mal – tem que ter opinião própria, tem que se posicionar, tem que “ser parte”, analítico, crítico, atento. A honestidade do jornal e do jornalista está em assumir a sua posição, seja ideológica, seja filosófica. A objetividade do jornal está na divulgação da notícia, do fato. Que se resume em revelar o quê aconteceu, quando, onde e como. O porquê passa a ser hipótese, palpite, possibilidade. Desse porquê, nasce a opinião do jornal e do jornalista, quando eles manifestam sua maneira de entender os acontecimentos.

Acontece, porém, que a opinião de alguém – também do jornal e do jornalista – não tem, necessariamente, garantia de validade. Opinião, quase sempre, contrapõe-se à ciência. O jornal e o jornalista acabam opinando conforme suas estruturas culturais, ideológicas, psicológicas. Por isso, a opinião pode mudar, sem que isso seja demérito. Pelo contrário, mudar de opinião diante de entendimentos, fatos ou revelações novos, é dever constante e permanente de jornais e jornalistas sérios. A chave é a mesma: honestidade.

O jornalismo realmente sério e honesto está aberto à multiplicidade do pensamento coletivo, mesmo que mantenha o seu próprio ponto de vista. Assim, ele não pode fechar-se a outras ideias, a outros conceitos, a outros pensamentos, a outras tendências e escolhas. Há que defender a sua posição até comprovar que, mais do que simples opinião, esteja emitindo um juízo. Mas a honestidade o obriga a acolher a crítica, a divergência, a contestação de outros. Com uma condição essencial: desde que sejam abalizadas, sérias, também honestas e dentro de uma ordem legal.

Na coluna “Ideias”, procuramos abrir os nossos espaços aos leitores independentemente de qualquer critério ideológico. O critério, repetimos, é a seriedade de quem tem algo realmente respeitável a dizer, seja qual o partido ou ideologia. Há que se preservar, no entanto, direitos fundamentais. Assim, não podemos, por exemplo, acolher maluquices de quem prega racismos, preconceitos, violações a direitos democráticos. Democracia não é bagunça. E nem consenso. Democracia é conflito permanente, convivência pacífica entre desiguais.

Paulo Moreira Leite é um dos mais decentes, cultos e honestos jornalistas brasileiros. Ele não está atrelado ao “pensamento único” que, desgraçadamente, tenta ser imposto pela globalização econômica, da qual os principais meios de comunicação se tornaram cúmplices. O povo está sendo anestesiado, tangido como rebanho. E, por isso, ter, hoje, uma opinião razoavelmente lógica é desafio constante, quase que um suplício para um jornalista. Digo-o por mim. Já em fim de carreira, vejo-me forçado, ainda, a estudar insistentemente, a ler as mais variadas publicações, jornais e revistas. Mesmo com gravames financeiros, obrigo-me a ler Veja, Época, Carta Capital, Caros Amigos, Piauí, Estadão e, pela internet, Globo e Folha de São Paulo. Ao final de cada dia, estou intoxicado de má informação, assustado com o cartel ideológico e desafiado a saber refletir, fazer a síntese, procurar entender.

Paro por aqui, para não me estender a ponto de revelar o império da censura em Piracicaba, que cresce no ninho tucano. Bom dia.

3 comentários

  1. Jairo Teixeira Mendes Abrahão em 22/05/2014 às 21:59

    “Bom dia” amigo Cecilio.
    Como é bom ler textos Inteligentes! Realmente Paulo Moreira Leite é um expoente do Jornalismo atual brasileiro. Só não é o maior, porque o Maior Expoente do Jornalismo brasileiro atual, para mim, é Cecilio Elias Neto! Não estou puxando seu saco, pois você já sabe disso!
    Seu “Bom dia” de hoje, sobre aquele jornalista é objetivo, claro, incisivo, inteligente e, o que é muito raro, principalmente aí em Pira, verdadeiro e sincero!
    Bravo, meu amigo, bravíssimo!
    Jairo.

  2. Delza Frare Chamma em 23/05/2014 às 11:46

    Parabéns Cecílio pela verdadeira aula que nos deu sobre jornalismo. Ela nos permitiu refletir como o verdadeiro jornalismo deve estar aberto “à multiplicidade do pensamento coletivo, mesmo que mantenha, o seu próprio ponto de vista”. Mostrou, ainda, que deixar clara sua posição e defendê-la, não fechando-se às ideias dos interlocutores, faz do jornalista um verdadeiro protagonista nos acontecimentos que analisa, com fundamento e honestidade, levando o leitor à reflexões que o enriquecem em seu processo de construção de conhecimentos.

  3. Antonio Carlos Danelon em 25/05/2014 às 22:01

    Concordo com Jairo. Dois pensamentos: “Se dois homens no mesmo trabalho concordam o tempo todo, um deles é demais”. (Darryl F. Zanuck)
    “Quando todos pensam igual é porque ninguém está pensando”. Walter Lippman.

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