Obama, guerra e paz

Foi um Barack Obama constrangido que recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Percebia-se não estar, ele, à vontade, como à vontade não esteve quando lhe foi dada a notícia de ter sido o ganhador do ambicionado prêmio. O constrangimento, porém e na verdade, foi do mundo, pois nada de relevante aconteceu até aqui, durante o mandato de Obama, para justificar a outorga do Prêmio. Há expectativas e muitas, muito embora o declínio da popularidade do presidente que luta, em campo interno, com forças políticas adversas e historicamente retrógradas.

Obama tornou-se refém de um prêmio, que passou a ser visto como inoportuno, um inesperado presente de grego. No entanto, não é justo e nem honesto tecer considerações a respeito da outorga do prêmio e a decisão, nos últimos dias, de Barack Obama de enviar mais soldados ao Afeganistão.

Por isso, a referência que ele fez a “guerras justas” deveria ser melhor entendida, pois Obama se reporta a um conceito que nos vem da Idade Média, o “bellum justum”, desde Agostinho. Ora, há, sim, a hipótese de guerras justas, moralmente defensáveis. Santo Tomás foi quem estabeleceu as condições para a existência de uma guerra justa, duas delas de ordem subjetiva o que é ainda um grande complicador: existir uma “justa causa”; haver uma “justa intenção” de quem declarou a guerra.

A situação dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão não pôde, até aqui, ser entendida como uma justa causa, nem como resultado de uma justa intenção. Até hoje, os motivos da invasão do Iraque não foram moralmente explicados. E a presença dos Estados Unidos no Afeganistão indica muito mais uma “razão de Estado” do que o “bellum justum”. Aliás, tem sido a noção de “guerra justa” que permite o surgimento de um outro conceito, esse mais comum às grandes potências mundiais, o da “justiça pela força”, o “jus in bello”.

Relacionar, pois, a concessão do Prêmio Nobel à ação ainda guerreira dos Estados Unidos não irá levar a nenhuma conclusão sobre o merecimento de Barack Obama àquele prêmio. Talvez, o melhor seria todos admitirmos que foi uma concessão precipitada, antes do tempo, sem fundamentação sólida mas com caráter político. Aliás, à medida que passa o tempo, o Prêmio Nobel, em todas as suas categorias, tem-se tornado muito mais um instrumento político do que uma premiação isenta. Quanto à paz, o Prêmio Nobel carrega, em si mesmo, o estigma de sua origem, pois Alfred Nobel fez toda sua fortuna e criou esse prêmio mundial a partir da sua principal invenção, a dinamite. Se o explosivo trouxe grandes benefícios à humanidade, foi responsável, também, por tragédias sem fim.

O dramático – ou irônico – é que o principal argumento da academia ao conceder o prêmio foi a alegação dos esforços de Barack Obama na frente diplomática. Ora, um dos conceitos de guerra é o de que ela apenas existe quando fracassa a diplomacia, o que remete à clássica observação de Von Clausewitz de que “a guerra é a continuação da política por outros meios.”

Obama, recebendo o Nobel da Paz quando enfatiza o envio de mais homens para Afeganistão, parece enquadrar-se na concepção romana de paz: “si vis pacem para bellum”, se queres a paz prepara-te para a guerra. Aliás, estudiosos das mais antigas civilizações humanas lembram que, originalmente, a guerra teve um simbolismo importantíssimo: a destruição do mal, o restabelecimento da paz, da justiça, da harmonia, numa manifestação defensiva da vida. Seria, porém, uma filosofação sem fim esse tentar entender o Prêmio de Obama à luz do Afeganistão. Melhor teria sido, talvez, para ele, não ter sido aquinhoado com o prêmio, um peso que lhe cai sobre os ombros, uma responsabilidade moral ainda maior. Sei lá. Bom dia.

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