Orlando Michelin

Gostaria de conhecer todos os adjetivos laudatórios para louvar a pessoa e a vida de Orlando José Michelin, esse que acaba de nos deixar. Seria pouco dizer que foi homem digno, decente, honesto, cavalheiro, generoso, solidário, gentil, fraterno, humano, caridoso, profissional de alta competência e, além disso tudo, um homem bonito. Bonito como foram sua alma e sua vida.

Confesso emocionar-me ao escrever sobre esse piracicabano que nos deixa aos 88 anos de idade. Sei, porém, que o mesmo acontece com as pessoas – e foram muitas – que o conheceram e tiveram o privilégio de privar de sua amizade ou apenas de sua presença silenciosa e imantadora. Além de sentir-me angustiado com a perda do cidadão Orlando José Michelin, sinto a sua perda com doído sentimento de ausência e com gratidão eterna, na dimensão familiar e pessoal.

Fomos vizinhos, a família Michelin e a minha, nos longínquos 1940. Dona Santa, mãe de Orlando e outros filhos, era – com dona Maria Matiazzo – a mais querida da rua em que morávamos. Pobres, muito pobres, todos nós, durante e no pós-guerra. Dona Santa e minha mãe, por cima de um muro baixinho que nos separava as casas, trocavam, de quando em quando, xícaras de café em pó, canecas de feijão ou de arroz. E Orlando, o moço mais velho e respeitado do quarteirão, já se impunha por sua sobriedade, inteligência e seriedade, como contador do escritório de contabilidade de seu tio, na mesma rua.

A tragédia alcançou minha família quando a minha então irmã caçula, Carol, morreu atropelada por um caminhão, aos mimosos dois anos de idade. Ela, a criancinha, era, também, a alegria de Orlando Michelin, que a tratava como filha. Entramos no desespero total. Meus pais ficaram como que desfalecidos numa cama, sem forças, destruídos. Minha irmã Marlene, a Leninha – ainda adolescente – precisou engolir lágrimas, esconder a própria dor, para manter a família com suas aulas de piano. E o jovem Orlando Michelin se tornou o anjo da guarda, o anjo protetor de minha família: visitando-nos, orientando-nos, ajudando-nos, como se, com suas asas generosas, impedisse que novos males nos atingissem. Pequenino eu era, apenas seis anos, mas me lembro ainda agora de tudo. Com Orlando, entendi ser possível e verdadeiro o amor fraterno.

Estudando na escola de freiras, o Assunção – que,ainda, aceitava meninos – chegou o dia de minha primeira comunhão. As crianças tinham sido preparadas para uma grande festa. Meus amiguinhos tinham o santinho com os nomes impressos em letras de ouro, a mensagem cristã toda engalanada. Eu não tinha nada, a não ser uma roupa branquinha que sei lá onde meus pais arrumaram. Seria um vexame perante os coleguinhas eu não ter o santinho meu para lhes entregar. Então, ainda outra vez, apareceu o anjo Orlando Michelin: com um pacote de santinhos – acho que doados por seo João, da livraria – passou a noite inteira datilografrando as mensagens que eu oferecia a meus coleguinhas. Em minha primeira comunhão, eu recebi muito mais Orlando Michelin do que Jesus Cristo no coração.

Nosso companheiro de Cursilhos de Cristandade, generoso nos trabalhos de clubes de serviço, a imagem que guardarei – e sei que também o farão os que conheceram – de Orlando Michelin é a do homem integral. Viver é perder. Mas há perdas que doem demais. Adeus, Orlando. E minha gratidão pessoal, com a gratidão da terra piracicabana. Bom dia.

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