Os joelhos da normalista
Já há alguns anos, um amigo de infância nos revelou uma de suas mais acalentadas aventuras eróticas: ver uma jovem freira passando pela rua e desnudá-la com os olhos e a imaginação. Recentemente, ele voltou ao assunto dizendo que, agora e além das freiras, ele alimenta fantasias com jovens mulheres muçulmanas. Pelos olhos delas – diz ele – consegue imaginar como lhes sejam corpo e alma.
O gênio de Nelson Rodrigues foi realmente profético. Pois profeta é aquele que enxerga e entende antes, nada mais do que isso. Ou seja: o profeta tem e está com a razão antes das demais pessoas. Ao escrever a sua discutida e controvertida peça teatral “Toda nudez será castigada”, Nelson Rodrigues foi, ainda outra vez, profético. A nudez do homem e da mulher ocidentais – brasileiros estão vencendo o campeonato – tornou-se banal, quase regra. E estamos todos sendo castigados com a banalização, a vulgarização, o cansaço, o enjôo de uma sexualidade apenas genitalista. Ou não é um castigo terrível desmantelar e destruir sonhos, ilusões, fantasias humanas?
Meninos e meninas – de 14, 15 anos – dizem, agora, saber tudo sobre sexo. E eu me espanto. Pois, ao longo de toda uma já longa vida e com vivências as mais diversas, confesso pouco entender, ainda agora, dos mistérios da sexualidade humana. Quem diz conhecê-los ou é tolo ou se contenta com o prato de lentilhas. Ora, adolescentes – dizendo entender tudo sobre sexo – estão apenas informando que “já viram tudo sobre relações sexuais”. E viram, realmente, quase tudo do simples genitalismo, do sexismo, da pornografia fantasiada de erotismo. Ora, o que há de mais banal – apesar de profundo mau gosto,de esteticamente grotesco – do que ver, em filmes da televisão, filmes pornográficos, exibições tristemente lastimáveis de uma relação apenas animalesca, de homem e mulher – ou homem com homem,mulher com mulher – transformados em bicho-macho, bicho-fêmea?
Aliás, outra profecia parece ter acontecido nas brincadeiras infantis. Dizia-se, cantava-se: “Homem com homem, mulher com mulher; faca sem ponta, galinha pé.” Pelo visto, chegamos, enfim, aos tempos das facas sem pontas e das galinhas sem pés. Mas este é outro assunto, para ser visto, observado, notado nas paradas e marchas gays. Ora, se é tudo tão natural, normal, para que o exibicionismo? “Toda nudez foi castigada”, poderia, hoje, o gênio de Nelson Rodrigues dar título a outra peça, em continuação à anterior.
Aquele meu amigo que tem fantasias eróticas com freiras e mulheres muçulmanas é, na verdade, um nostálgico. Ele é – como eu – de uma geração que se maravilhava com indícios, com sutilezas, com véus ocultando corpos. Uma das aventuras diárias mais fascinantes era, depois das aulas, ir ao jardim, sentar em um banco e aguardar que normalistas chegassem e se sentassem. E elas vinham: as do Colégio Assunção, com saias plissadas, gravatinhas pretas, meias soquetes, sapatinhos de verniz. As do Sud, com seus uniformes mais simples, mas saias e blusas discretas porém insinuantes. Quando elas se sentavam, a grande expectativa era fixar os olhos e aguardar o momento em que, erguendo as saias, elas deixavam aparecer parte dos joelhos. Ver, pois, joelhos de normalistas era a grande realização dos moços de minha geração. A visão fazia bater mais forte o coração, tremer as pernas, atiçando a imaginação. Por ironia, casei-me com uma das moças cujos joelhos eu vi num banco de jardim
O “mundo do espetáculo” – no qual o artista plástico Andy Wharol previra que todos teriam 15 minutos de fama – arrasou com sutilezas e delicadezas que faziam parte de um universo cultural esplêndido. Não se pense, agora, que fomos gerações inocentes, infantilizadas. Os chamados “anos dourados” – década de 1950 até início dos 1960 – foram de audácias e de rompimentos. Antes deles, tivemos os 1920, os “anos loucos”, da “geração perdida” – onde o erotismo despontou com requintes e refinamentos. Anteriormente, a “blle époque”, audaciosa mas elegante. Hoje, o que se lamenta é a vulgaridade, a espetacularização até mesmo da intimidade das pessoas. Em resumo: a perda do pudor. Ora, onde não houver pudor não haverá privacidade. E, logo, não haverá civilização.
Sexo sem mistério, sem romance, sem delicadezas, sem os rituais de sedução, este é simplesmente genitalismo. E a instrumentalização das pessoas acaba por torná-las descartáveis. A geração que se encantava com a simples visão dos joelhos das normalistas sabe o tesouro – nesse mistério do amor e do erotismo – que foi destruído. Dá pena.
Quem diria que, toda coberta de roupas, a mulher muçulmana seria mais atraente do que uma periguete? E bom dia.
Bom Caro Jornalista, Praeclarus,
Nois ia no Cine Colonial para assistir a Brigitte Bardot com aqueles "maio" fechadão, mas a imaginação era a mesma…..
Um certo dia, voltando do Regadas e subindo a Moraes Barros, ia a nossa frente uma jovem morena com vestido de organdi azul, combinação de lamê da mesma cor, tava bunita a danada…
Mas o negocio melhorou quando bateu um vento e levantou a roupa, a calcinha também era azul…
Voou pro alto a toalha de banho que enrolava o calçao e o sabonete….
Alguma coisa "isquisita" aconteceu….
Cecílio, sempre um excelente cronista. Cecílio, sempre sábio em suas colocações.