Pais, agosto e orfandade

picture (76)Quando criança, eu soube que mundo ia acabar. Foi no dia 8 de agosto de 1945. Os Estados Unidos haviam anunciado que, depois de Hiroshima, a bomba cairia em Nagazáki no dia 9. Uma outra bomba daria fim ao mundo. Eu, com cinco anos, e as mulheres – roupas pretas, terços nas mãos – íamos desaparecer.

Aquele final escatológico de mundo não aconteceu. Mas um tempo e um espaço terminaram. E, a partir dali, entendi que o mundo acaba e começa todos os dias. Começa com o bebê que nasce; acaba com alguém que morre. Apenas os vivos vêem os mortos. Cada geração, quando envelhece, vê que seu mundo terminou antes. Não há necessidade de bombas universais. Mundos morrem devagarinho e, ironicamente,enquanto as pessoas estão vivas. Elas sobrevivem, mas o mundo morreu.

Dia dos Pais não deveria acontecer em agosto. A orfandade torna-se mais dolorosa. Pois agosto traz maus agouros, apesar de céus lindos, lavados de nuvens. Agosto, desgosto; agosto, mês de cachorro louco; agosto, tragédia. Antes, mulher alguma se casava nesse mês sombrio. Mudar de casa não era bom. Nem fazer negócio. É mês de bruxas e de diabinhos soltos por aí.

Os romanos – que inventaram o nome, para homenagear Augusto – tiveram medo do que fizeram. Pois era sempre em agosto que os dragões voavam nos céus, espalhando terror. Dragões devem existir pois São Jorge, antes de os astronautas chegarem à Lua, estavam lá enfrentando-os. E tem o 24 de agosto, o dia mais azarento da história, o massacre da noite de São Bartolomeu. A Primeira Guerra começou em agosto. É o mês do suicídio de Getúlio, da renúncia de Jânio. E Marilyn Monroe e Lady Di – tão lindas e frágeis – morreram em agosto.

Foi necessidade comercial comemorar o Dia dos Pais em agosto, mas é lastimável. Festa dos e para os pais deveria ser em setembro, da Primavera, do mundo florido, mês de doçuras e de delícias. Ora, diz-se: flores são as mães, todas. Pais seriam espinhos. Meu pai, não. Ele era doce. Era uma flor.

Nessa orfandade que não passa, morro de saudade dele, de um mundo que acabou. Em agosto, a orfandade dói mais. Bom dia.

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