Paixão corintiana

Esse texto foi publicado em setembro de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

O fato é que me senti o mais vil dos homens, mas o amor é tanto, e tão descontrolada a paixão, que todos aqueles sentimentos ruins me pareceram nobres, pois o objeto amado era tudo que me interessava. Descobri, então, que sou capaz de matar e odiar por paixão, algo que pode parecer desprezível, mas que é o que de mais profundamente humano existe.

Fui dormir com aqueles desejos horríveis, mas que me davam prazer. Despertei ansioso, na expectativa de que o mal que eu desejava pudesse surtir efeito. Eu queria o mal deles, não irreversível, mas passageiro, que durasse pelo menos 90 minutos. O mal deles seria o bem da minha paixão.

E então, quis que o Marco Antonio Boiadeiro tivesse uma noite toda de diarreia, que o Neto amanhecesse com hemorroidas tão vivas e sangrentas que nem pudesse andar. E do fundo do meu coração, desejei que o “morfioso” do Paulo Isidoro tivesse ataques reumáticos e que o Wagner fosse dominando por uma infecção do nervo ciático.

Desejei mais, dominado pela paixão: desejei que os torcedores do Guarani amanhecessem com dor de barriga, azia, afta na boca. O meu raciocínio era simples: sem jogadores e nenhum torcedor, o meu Corinthians poderia se tornar campeão, ou pelo menos, teria 50% de chance para isso.

E fiquei bravo com Deus quando vi o estádio lotado de torcedores bugrinos e o time do Guarani completo. E o vi o Viola, franzino, pobrezinho, e um pensamento negativo me passou pela cabeça: “por fora bela viola, por dentro pão bolorento…” Daí lembrei-me de Xangô, que os pais-de-santo dizem ser meu orixá, saravá! Deus, o deus cristão é branco, todas as pinturas mostram isso. E o Corinthians é negro!

O branco de sua camisa é apenas para enganar os brancos, mas os orixás são negros. Meu coração, palpitando e acelerado, como se o infarto estivesse próximo, clamou por Xangô: que paralisasse o Neto, que desse bobeira no João Paulo, que prendesse a perna do Wagner e embranquecesse o Paulo Isidoro.

Então, Xangô respondeu: um raio desceu dos céus e eletrizou a perna esquerda do Viola. Fez-se a luz, “fiat lux”. E o maravilhoso pezinho do Viola tocou na bola com a ternura com que se toca os seios da mulher amada. E ela foi languidamente, até se morrer de sedução, no fundo da rede. Viola, filho dileto de Xangô, saravá, axé! E o mundo ficou mais bonito, e a vida mais gostosa de se viver. Corinthians, salve, salve – ó luz que ilumina o mundo! Bom dia.

 

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