Paixão que não acaba

picture (30)Estou proibido – por amigos, familiares, alguns leitores – a fazer referência a palavras como velho, velhice, idoso. Há quem tenha medo disso. No entanto, as pessoas, como as coisas, envelhecem. Para atender os mais próximos, no entanto, decidi usar de um eufemismo, pelo menos naquilo que a mim se me refere: sou um “homem de idade”. Como se dizia antigamente.

E isso, para o que pretendo escrever, é importante de ser dito: de um homem de idade, supõe-se e espera-se que ela tenha vivido muito e, então, aprendido alguma coisa com o que viveu. Ora, não sei se muito aprendi, mas admito ter vivido muito e algumas ter aprendido. Tenho podido rever caminhos, situações, vivências, analisar-me diante delas, uma viagem algumas vezes sofrida por dentro de mim mesmo, mas sempre venturosa. A questão amorosa, por exemplo. A da paixão.

Confesso e nunca fiz segredo disso: amores eu tive, amor ainda tenho. Fui feliz, infeliz, sofri, conheci céus e infernos, vivi êxtases e suplícios. Fui fiel, meio fiel, fui também infiel. Paixões chegaram, paixões passaram, deixando lembranças. Desisti de algumas, afastei-me de outras, matei uma que outra. Assim, a pouco e pouco, minha vida encontrou como uma síntese de amores e de paixões, do que sobrou, do que restou, do que passou, do que foi episódico. E da paixão que, concordando com Vinicius, é eterna porque dura. E que, mais do que vela de chama, é incêndio que se não apaga.

Estou querendo dizer que, sendo homem de idade e conhecendo um pouquinho da vida e dos caminhos, estou preparado para dizer, para proclamar, para confirmar, para deixar como herança a meus filhos e netos e, também, até mesmo para justificar-me perante amores que me marcaram a vida. O que tenho a dizer é apenas isso: a minha grande, eterna, verdadeira, inabalável paixão é o Corinthians. Sempre foi. Continua sendo. É paixão que não morre, chama que se não extingue. Juro que tentei matá-la, pois o Corinthians me fez e me faz sofrer. Mas não consegui. Não consigo. Então, nada mais me restou senão render-me a essa realidade insuportável, a essa fraqueza que me derrota, que me nivela aos que, na expressão pedante de aristocratas, se chamava de “plebe rude”. Pelo Corinthians, choro na sarjeta, brigo com a família, vou embora de casa, deixo de trabalhar, sinto-me ameaçado por infartos, colapsos, derrames cerebrais, aumento de pressão arterial, de glicemia. Pelo Corinthians, não mato. Mas sinto que morro.

No domingo, senti que iria morrer, no primeiro tempo do jogo, vendo o São Paulo passear no campo, acuar e humilhar o Corinthians, aquela tristeza de nossa nação estar reduzida a um mísero povinho de três mil pessoas nas arquibancadas, um povo confinado, tratado como gente de segunda categoria. Meu coração pulsava na garganta, suores me empapavam o rosto, engordurando os cabelos. Minha mulher, de família de refinados são-paulinos, fingia, hipocritamente, ser solidária à minha angústia. Era mentira, pois, a cada defesa do Felipe, ela resmungava baixinho, xingando o nosso goleiro.

Pus a casa em ordem e confessei: sempre fui, na verdade, um bígamo. Casado ou descasado, dividi, com a mulher que amei, meu coração em dois: o Corinthians e ela. E, aqui entre nós: mais do Corinthians. E tem mais: abracei religiões e credos, permaneci, saí, voltei, traí, reconciliei-me. Com partidos políticos, também. Já como “homem de idade”, posso, enfim, proclamar e revelar: nunca traí o Corinthians, nunca o troquei por nenhuma outra paixão futebolística, nunca desisti, nunca quis trocá-lo por times que têm brilharecos de ocasião. É isso: a única fidelidade absoluta em minha foi para com o Corinthians. Agora, sou fiel a outras pessoas, a outras instituições. Mas sem abrir mão da prioridade de meu coração: o Corinthians.

Não preciso de o Corinthians ser campeão para viver essa paixão. Cada jogo é uma novidade, cada vitória vale por um campeonato, a alegria de conhecer o êxtase total e de não precisar de mais nada. Vá lá, que seja coisa de velho (acabei escrevendo a palavra). Mas é minha e ninguém tem nada a ver com isso. Bom dia.

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