“Palavras, palavras, palavras…”

DissimulaçãoO estudo da linguagem humana continua cada vez mais fascinante. A língua é uma função social e somos passivos diante dela. A palavra, no entanto, é a manifestação lingüística da pessoa. Por isso, o significado ou o sentido da mesma palavra pode ser diferente, conforme o indivíduo e sua realidade pessoal, incluindo a psicológica e a ideológica.

Tornou-se inquietante, ao longo dos séculos, o desabafo que Shakespeare colocou na boca de um Hamlet entediado que, quase num suspiro, expressou-se: “Palavras, palavras, palavras…” Como se elas nada significassem ou, então – quem sabe? – à procura do sentido delas. O “words, words, words” shakespeareano seria, hoje, o nosso blá-blá-blá?

Ainda agora, tremo diante das palavras, especialmente por serem, elas, não apenas a minha forma de expressão, mas meu instrumento de trabalho, um sonho de conseguir uma construção com a sonoridade de um sol maior. Ou de um lá menor. Vou em busca, na obsessão de consegui-lo. Mas sou, também, traído por elas. Pois a tragédia da comunicação está no fato de o transmissor necessitar de um receptor. Se a palavra não for bem usada ou se não for entendida, não haverá comunicação. E, muitas vezes, pode levar a graves complicações.

Certa vez – e ainda lamento – vi uma relação amorosa destruir-se por uma única palavra: talento. Eu, tentando dialogar, falei que a mulher  não tinha talento para se relacionar com adolescentes. E, por talento, ela entendeu incompetência. Ou seja: que eu lhe dissera ser, ela, incompetente para relacionar-se com jovens. Não era nada disso. Mas não houve mais como consertar. O povo entende mais do que ninguém: “o peixe morre pela boca”.

Nesta era de complexidades e de indefinições, vivemos, também, um estado quase totalizante de simulações. E a palavra humana está a serviço dos que precisam dissimular. Pois, impor a palavra é uma forma aguda de poder. A palavra pode submeter outra pessoa e, também, sociedades e povos. Até a mentira pode se transformar em verdade, se repetida sempre. Goebbels – o gênio da propaganda de Hitler – pregava “minta e minta, muito e sempre, que a mentira se transformará em realidade.” Quem nos garante que não esteja isso acontecendo no grande cartel de comunicação que tenta inventar ou desinventar o Brasil?

Palavras podem definir uma posição ideológica. Vejamos, por exemplo, a palavra presidenta.     Quando a Presidenta Dilma fez questão de usá-la, os seus opositores – de todos os níveis e em especial nos meios de comunicação – tentaram ridicularizá-la, como se a palavra não existisse. Mas existe. Presidenta é “mulher que preside”. Está nos dicionários. Logo, ignora-o quem tem má fé ou é, mesmo, ignorante. Com isso, estabelece-se uma identificação político-ideológica: quem trata Dilma como presidente é opositor dela ou lhe nega a autoridade. Quem a chama de presidenta reconhece-lhe, no mínimo, a dignidade do cargo. Basta conferir.

Outras palavras que simulam ou dissimulam: americano e norte-americano,  como designação do cidadão  ou do povo estadunidense. Os dicionários registram-nas. Mas, os Estados Unidos não são a América – como eles se consideram –  ou a América do Norte. Apenas estão naquele continente.. Norte-americanos são, também, os canadenses e os mexicanos. Logo, é um equívoco proposital falar-se em Estados Unidos da América, os EUA. Na verdade, eles são os Estados Unidos da América do Norte. Logo, os EUAN, se quiserem. Há, pois, conotação ideológica na palavra: americano ou norte-americano, para quem aceita a imposição. Estadunidense, para os que não a aceitam. Os mexicanos enfatizam, até mesmo com indignação, a condição de estadunidense de seu poderoso vizinho.

“Palavras, palavras, palavras…. “ São, realmente, apenas palavras? Ou há muito mais em cada uma delas? Bom dia.

1 comentário

  1. Delza Frare Chamma em 07/06/2014 às 21:06

    Palavras, Palavras, Palavras… Sua crônica, Cecílio, obriga a reflexões preciosas. Valeu!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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