Paliteiro City

São PauloNa economia de mercado desregulado, não há qualquer lógica a não ser a do lucro. É o fim último, mesmo que, para atingi-lo, se criem mais empregos, outras oportunidades – essas justificativas para justificar tudo, até mesmo o injustificável. Esqueçam-se sociedade ou seres humanos. Se o fim é o lucro, aqueles são apenas os meios. Mesmo que haja enganosas e aparentes vantagens.

O irônico de tudo isso é que o mercado desregulado – em vez de desfalecer ou desmentir o pensamento marxista – já está, cada vez mais, confirmando os temores do velho Marx. E não se fale em comunismo tirânico, em ditaduras cruéis – que Marx nada teve a ver com isso. Pois, da mesma forma como Cristo não era cristão, Marx não era marxista. E não me venham – os otários de sempre – com a lenga-lenga de que sou comunista. Fui-o na juventude, quando todos os sonhos se misturavam, de tantos que eram. Acredito, hoje, numa democracia cristã. Mas essa é outra conversa.

Fiquemos, para efeito de raciocínio, num dos temores do velho Marx. Para ele, o capitalismo selvagem – desregrado, incivilizado – é errante. Onde se implanta, fica até sugar tudo. Não havendo mais o que sugar, muda para outra área. As nações em desenvolvimento e as ainda carentes são um prato cheio, alvos fáceis e terrenos férteis. A globalização econômica é a grande oportunidade – aliás, toda ela muito bem organizada – para atingir esse fim último: o lucro.

Os elevadores – e, portanto, os edifícios verticais – são um dos grandes exemplos dessa busca de “novos mercados”. A invenção do elevador foi notável para resolver o grave problema da ilha de Manhattan: sem grandes espaços físicos para a expansão horizontal. Para o alto, era a saída. O elevador trouxe a solução. E facilitou o surgimento das construções verticais. Quando o êxito de Manhattan ficou comprovado, os elevadores  espalharam-se e tornando-se sucesso em todo mundo. Até mesmo em desertos – onde os espaços parecem infinitos – o elevador leva o mundo para o alto. Aliás, finge levar.

Há cerca de 60 anos, a maior glória de uma cidade – sinal de modernidade, de desenvolvimento – era ter “um prédio com elevador”. Por isso, a imprensa da época se rejubilou quando os Irmãos Brasil construíram o Edifício Georgetta Brasil, o primeiro de Piracicaba, em 1957. Era um ponto turístico. E recordo-me de quase tudo, pois éramos um grupo de amigos que se não desgrudavam e o José Carlos Brasil – hoje, cirurgião famoso  – filho do Paulo Brasil, nos levava para ver as obras. Subir de andar em andar, chegar no topo, olhar a cidade de cima para baixo, era aventura maior de nossa adolescência.

Edifícios verticais eram atração turística. O Comurba, ainda em construção, atraía visitantes. Um dos sonhos brasileiros era conhecer o Empire State, em Nova Iork. E – como não tem graça ir a Roma e não ver o Papa – era quase vergonhoso ir a São Paulo e não contemplar o Edifício Martinelli. Sucessos enganosos.

Agora, Piracicaba se transformou num paliteiro. E não será exagero dar-lhe, além de Noiva da Colina, mais um epíteto: “Paliteiro City”. Mas o jornalista, como o lobo, envelhece mas não perde o vício. Que, na verdade, é uma exigência para o bom jornalismo: o exercício da dúvida, do questionamento, de não aceitar explicações prontas. A mim, assaltam-me – diante da verdadeira explosão de edifícios verticais em “Paliteiro City” – as primeiras dúvidas: serão mesmo tão necessários, a quem realmente interessam, o que há por trás de tudo isso, não seria uma especulação imobiliária bem orquestrada? São legítimos questionamentos de um jornalista.

Admitamos, porém, que essa espetacular explosão seja necessária, que haja tantas famílias comprando apartamentos, casas próprias, da mesma forma como se multiplicam automóveis e motos, aparelhos domésticos.  Ora, se isso tudo é real, se está acontecendo – por que, então, há tantos grupos reclamam do governo brasileiro? Pelo que se vê, há abastança, demanda, um povo confiante. O consumismo virou uma filosofia e o povo está consumindo à beça. Por que, então, tanto pessimismo?

Mas se tudo isso for mentira, a conclusão será óbvia:  há pouca gente enganando muitos. E a explosão de prédios teria outro nome: especulação. Isso, porém, são apenas conjecturas de um jornalista obrigado a questionar. Bom dia.

1 comentário

  1. Camila Leibholz em 22/05/2014 às 12:01

    E que ótimo questionar!
    Além do questionamento sobre a real necessidade de tantos palitos da “Paliteiro City” que nos leva a pensar sobre a especulação e sobre um processo de urbanização forçado, me questiono também sobre a qualidade projetual de cada um destes “palitos”.
    Me preocupa o surgimento de tantos edifícios de alto padrão, muitos deles com 4 suítes, para famílias que não têm mais de 2 filhos, 5 vagas de carros para contribuir com o trânsito que cresce a cada dia, condomínios com pistas para caminhada, quadras de esportes, academia, piscinas e toda a infraestrutura para que os moradores não precisem sair do seu quadrado, deixando cada vez mais de vivenciar a cidade.

Deixe uma resposta