Papel do jornal

Não posso negar a forte e estranha emoção que senti ao ver, no painel de contagem da administração do site, A PROVÍNCIA recebendo a visitação de nº 2.500.000. Escrevo pausadamente, saboreando o prazer quase assustado dessa multidão: dois milhões e quinhentos mil visitantes. Talvez, eles não saibam quanto foram e são bem-vindos. E como me fortaleceram crenças e alguma poucas certezas, nesse meu tempo em que a jornada se vai escoando. Se souberem ou avaliarem, saberão, também, quanto sou grato e que renovação de energias me deram e me dão.

Reflito como quem faz uma viagem de volta, de retorno, na certeza de que uma caminhada chegou ao fim para outra começar. A morte é um processo permanente de ressurreição. E acontece o mesmo com o Tempo. Pois os tempos morrem para que nasçam e surjam e se formem outros tempos. Quem não tiver, pelo menos, uma mínima percepção disso pensará ser, a vida, formada por um único ciclo, o que tem início, meio e fim. Não é verdade. São muitos, inumeráveis os ciclos da vida. Bem aventurado o que compreender e, então, tentar morrer e ressuscitar, findar-se e renascer. Sempre.

Comecei a ler jornais com interesse medroso quando da chamada Guerra da Coréia, em 1952. Eu tinha 12 anos e minha fome de leitura e de conhecimento se prendia a gibis e livros. O jornal me trazia a informação da guerra, da violência, da morte, da tragédia nos campos de batalha coreanos. E eu não acreditei fosse apenas aquele o papel de um jornal. Mais do que informativo, o jornal teria que ser formativo. Ou, em resumo simples: informar é, também, forma; formar se faz, também, a partir da informação. Valeu a pena ter acreditado nisso, quando chego – agora pilotando um jornal eletrônico – aos meus 53 anos de atividades jornalísticas e intelectuais.

A simples informação pode ser colorida por tons ideológicos. E, ao contrário de ver um mal nisso, tenho-o como um bem, desde que haja a honestidade do veículo em informar a sua opção, a sua tendência, a sua ideologia. O leitor tem o direito de saber, não podendo ser enganado a partir de falsos comportamentos, como os que se escondem sob palavras vazias como “imprensa livre, imprensa independente, imprensa imparcial.” Rótulos nem sempre revelam o verdadeiro conteúdo.

A verdadeira imprensa é parcial, pois precisa assumir uma posição, ser parte no cenário onde se desenrola o drama da vida. Há juízos subjetivos diante dos acontecimentos, que não são uma equação matemática. Ser parcial não significa ser desonesto, falsear a verdade. Ser parcial é dar opinião a partir de conceitos próprios, fundamentados, desde que não estratificados, impermeáveis ao contraditório. Um juiz, ao proferir a sentença, ele é parcial, ao fazer justiça à parte merecedora. Opinião é subjetividade fundamentada, soma de juízos. Por isso, há que se diferenciar a notícia da opinião: a notícia é aquilo que é, o que aconteceu. Exemplo: a pessoa que morreu, onde morreu, quando morreu. Mesmo ela, porém, pode se tornar relativizada se o noticiarista arriscar, por conta própria, dizer do como e do porquê. Na notícia, quem, o quê, quando e onde exigem objetividade. No como e no porquê, há subjetividade.

Jornais que não tomam posição não têm sentido de existir. E os que tomam deveriam obrigar-se a dizer de sua identificação ideológica, filosófica, política. Por exemplo: um jornal comunista ou fascista deverá ser inteiramente respeitado se for suficientemente honesto para se revelar comunista ou fascista. O leitor, sabendo disso, não será enganado. Sob a capa de neutralidade e de imparcialidade, há jornais escondendo interesses e objetivos menos claros, que deixam em suspeição até mesmo a simples notícia.

A palavra-chave é única: honestidade. Em qualquer atividade humana. E, em especial, no jornalismo, que é um instrumento assustadoramente poderoso na formação de um povo e de uma comunidade. Se houver suspeitas de desonestidade, jornais e jornalistas estarão definitivamente comprometidos. Pode-se discordar deles, de jornais e de jornalistas, e eles podem cometer erros, que eu prefiro chamar de equívocos quando se trata de informação honesta. Pois, pelo menos para minha orientação pessoal e profissional, aprendi a estabelecer uma diferença necessária entre equívoco e erro. Equívoco é algo que se comete quando se age pensando estar correto. O erro é algo que se comete com consciência de ser errado. Se, sem o desejar, entro numa rua na contramão, cometo um equívoco. Se sei estar na contramão e insisto, cometo um erro.

Jornais honestos e decentes, fiéis à sua vocação missionária, equivocam-se muitas e muitas vezes, pois são parte da aventura cotidiana. Se erros são atos conscientes e eles os cometem e continuam cometendo, não merecem respeito. Criar A PROVÍNCIA eletrônica foi a intuição – tida, para alguns, como algo visionário, no sentido negativo do conceito – de que um tempo morrera para dar lugar a outro tempo, independentemente de ser melhor ou pior. São novos tempos, exigindo uma nova maneira de pensar sem, no entanto, abrir mão do que é universal e atemporal: princípios. Valores mudam. Princípios, para não morrer, devem estar enraizados.

Cansei-me, como jornalista e intelectual, de mudar de posição, de idéias, de pensamento. Fiz jornalismo a partir de valores marxistas, depois de valores cristãos, depois a partir de crises de pessimismo, assim por diante. Mudei a cada momento em que me convenci de estar equivocado. Eu teria cometido erro mortal se permanecesse fiel ao que deixei de acreditar. O que seria de um homem próximo dos 70 anos se continuasse acreditando em sonhos dos 20 anos? A honestidade começa no coração.

A esses 2,5 milhões de visitantes e aos próximos que chegam, a reflexão é para agradecer pelo apoio e pela confiança. E para renovar a manutenção e fortalecimento de princípios que dão sentido e dignidade a esta terra e a nossa gente. O papel do jornal é servir. Servir-se é outra história. Bom dia.

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