Passarinho contou…

picture (91)Inventando histórias para a criançada, escapou-me a frase: “Um passarinho me contou…” E os netos não acreditaram: como passarinhos fazem para contar, se não falam a língua dos homens, se têm linguagem diferente? Foi o que bastou para, dentro de mim, tudo se avolumar e romper como num redemoinho de sensações, como se alguma mágica houvesse acontecido. Ora, estava tudo lá, nas leituras de minha infância, nos contos fantásticos, nos livros que falavam de fábulas, lendas, mitologia, bichos falantes, pássaros que eram deuses de povos inteiros, na voz das velhas e doces mulheres contadoras de histórias, bichanando ao pé do fogão.

Provocado por contos de fadas, cada vez mais acredito em que a sabedoria humana está distante de nossa ciência, mas inteiramente ligada a crenças, à imaginação, aos sonhos, à magia que perpassaram os milênios que nos antecederam. A racionalidade, apenas um dos elementos da inteligência, tem anestesiado a intuição, a criação, a fantasia. No entanto, toda a nossa história está preservada nas fábulas e lendas, no folclore, na mitologia. Rigorosamente, está tudo lá, incluindo a religiosidade dos povos, certezas, mistérios ainda não desvendados. Basta ver símbolos que ainda se mantêm, como a coruja da Filosofia. É uma ave que sabe tudo. O símbolo da paz é outra ave, a pomba. E o da força e da argúcia, a águia. Nas mais remotas histórias, o corvo também detém a sabedoria e o conhecimento.

Os pássaros contam porque sabem tudo, de tudo. Essa certeza formou a mitologia das mais diferentes civilizações, da oriental à nórdica, da germânica à saxônica, nas religiões judaica, muçulmana e cristã. Comunicar-se com as aves é sinal de sabedoria e de bênção. Os muçulmanos crêem que Salomão se tornou sábio por ter-lhe sido revelada a linguagem dos pássaros, é o que se vê no Alcorão. E os judeus sabem que os mais belos versículos bíblicos David e Salomão os cantaram por terem aprendido a linguagem das aves e dos animais. Entre os católicos, São Francisco se tornou o orago da ecologia, o “poverello” que fazia pregação às aves, como Santo Antônio o fez aos peixes. Os egípcios tinham deuses com figuras de aves, como o íbis, de bico pontiagudo. O galo está no livro de Jó e, também, confirmando a traição de Pedro. A águia inspira a sabedoria maçônica em todos os seus graus.

As fábulas de La Fontaine estão repletas de pássaros sábios, falantes, conhecedores dos mistérios e das maravilhas do mundo. Hans Cristian Andersen e os Irmãos Grimm nos encantavam com os cisnes ora selvagens, ora transformados em príncipes escondidos, cisnes alvos e cisnes negros. E as cegonhas, que, até recentemente, eram as enviadas dos céus para povoar a terra com bebês? É-me comovedor, hoje, descobrir como aquelas revelações, ouvidas do linguarejar das velhas mulheres, me bem-fazia à alma. Por que não haveriam de bem-fazer a meus netos?

Nos últimos tempos, o meu lugar de meditação e de reflexão é uma cadeira na varanda de onde vejo passarinhos voando, cantando, amando-se, fazendo ninhos, protegendo suas crias, aquelas avezinhas dos céus que, realmente, nada precisam fazer, nem plantar e nem colher, nem tecer e nem bordar – a não ser glorificar os céus – para que nada lhes falte. É a natureza toda que canta maravilhas da existência.Apenas o homem consegue desagregar. E não foi passarinho que me contou. Basta-me olhar para além de meu portão.Bom dia.

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