Pensar é preciso

Esse texto foi publicado originalmente em agosto de 1988, no jornal impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba

Alguns dos poucos amigos que tenho me dizem que ando filosofando muito, o que, para eles, deve ser mesmo uma chatice. Mas, para mim, é uma questão vital, de sobrevivência. Tenho que pensar e pensar sempre, questionando e questionando-me, pois sei que se não o fizer haverei de terminar os meus dias diante de um televisor, de chinelos e pijama, talvez brincando com os netos – essa tragédia cotidiana.

Recuso-me a isso como algo definitivo, final. Posso aceitar e extasiar-me com momentos de placidez e maravilhamento familiar – como momentos, jamais como uma fatalidade, um destino, um papel. Já fiz muitos papéis na vida, sem saber que os fazia. Sem perceber, eis que estou sendo devorado por modelos que os outros criavam para mim, não por aquilo que eu queria, desejava, acreditava.

Moralizaram-me, e tornei-me um moralista sem me dar conta disso. Então, meu pangaré me salvou: um pangaré imaginário que me convidava a ir pela vida e pelo mundo, rindo de minhas prisões interiores. Despertei a tempo, quando parecia que os papéis eram definitivos, um ator desempenhando a peça que nunca escreveu, no teatro armado por outros. Não, não – quatro paredes de um lar e uma família, por mais belas e aconchegantes que sejam, são muito pouco diante do ilimitado e do universo.

O lar é o lugar para onde se volta, não onde se fica. Não pode ser prisão, cativeiro. Ninguém ama o que escraviza, apenas o que liberta. A família, portanto, tem que ser aberta, onde as pessoas convivem porque se amam. Marido e mulher geralmente contentam-se em anular-se pelos filhos, em destruir-se por eles, como se isso fosse um papel, um fatalismo, uma lei da vida.

Na verdade, marido e mulher são apenas um homem e uma mulher, apenas isso, e isso é tudo, em sua beleza e dignidade. O resto são papéis. Ninguém se une a outro para ser mãe ou pai – mas porque se quer como homem e mulher. É terrível essa renúncia da pessoa humana para aceitação de um papel. E foi o que conversei com meus filhos, no Dia dos Pais. Pois sei que eles me olham com outros olhos, talvez querendo que eu fosse o pai de antigamente, quando eram bebês e o pai os carregava, no colo.

Talvez queiram isso de mim: um papel de pai, aquele que se anula em favor do filho. Não. Hoje são adultos, têm de caminhar pela vida com seus próprios pés. Eu sou, como pai, o mesmo que o lar: para o qual e para onde se volta. A vida é deles, como a vida é minha. Nem eles têm que morrer por mim, nem eu tenho que morrer por eles. Temos apenas que viver. Ser pai é deixar viver. Bom dia.

 

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