Político inteligente, povo burro

picture (96)De vez em quando, volta à baila a convicção do cientista Francis Watson (Prêmio Nobel, 1962) de que a burrice é genética. Fiquei preocupado. Pois cientistas, quase sempre, nada mais fazem do que descobrir o óbvio. E a sabedoria caipira – cujo umbigo está entre os celtas – ensina há cerca de 500 anos: “filho de burro burro é.” Portanto, a ciência conclui o que caipiras já sabiam. Isso perturba.

A situação, pois, é difícil. Se burrice vem dos ancestrais, se passa de pai para filho, se eu sou uma fonte potencial de burrice, se isso é um destino, se é determinismo – então, ninguém tem culpa de ser burro. Temos, vai daí, que ser todos perdoados, pois, realmente, burros não sabem o que fazem. Aquele idiota que joga lixo na calçada não tem culpa de nada, pois é idiota e não pode ser responsabilizado por sua idiotia. Os vândalos nas ruas da cidade, nos cinemas, nas casas de espetáculo, nas lojas – esses também não têm culpa, pois vandalismo faz parte da burrice humana e burrice é genética. Como diria o presidenteLula, com sua sabedoria de vida: “Estamos no mato sem cachorro.”

O maior problema, penso eu, está nos outros filósofos, os de plantão. Eles complicam ainda mais a vida das pessoas. Pois, quando se pensa que as coisas estão definidas – que isso é isso e aquilo, aquilo – eles descem das nuvens. E tremo apenas de imaginá-los questionando-me: “Mas burrice, o que é?” Ora, se, até hoje, ainda se discute aquela pergunta sobre a verdade – “E a verdade, o que é?” – que direito tenho eu de implicar com filósofos, se me indagarem sobre a burrice? Pois eles têm razão: burrice, o que é? Afinal de contas e pelo que temos vivido e experimentado, o que se pensa ser burrice é inteligência; o que se acredita seja inteligência é burrice; honestidade é burrice; esperteza é inteligência. Até a rapaziada sabe disso, quando um diz para o outro: “Fique esperto, meu.” .

Há algum tempo, a respeito de deputados e senadores no Congresso Nacional, ouvi, de um deputado meu amigo: “Lá, não tem burro. O mais burro sou eu.” E ele é espertíssimo. Portanto, a noção de burrice parece variar conforme o estado, a condição, a atividade. E apenas confirma a tese do cientista Paulo Watson: burrice é genética. E isso, no fundo das coisas, é simples loteria: uns nascem burros, outros, inteligentes. Logo, é destino.

Por isso, há políticos e povo, governantes e governados, espertos e ingênuos, pragmáticos e idealistas. Se, como diz meu amigo, não há burros no Congresso Nacional, há que se concluir por uma evidência: políticos nunca são burros, herdeiros de genes privilegiados. E, forçando uma lógica mambembe, pode-se admitir, também pelas evidências, que todo eleitor é burro de nascença. Quem acredita é burro; quem tem esperança é burro. Ser votado é sinal de inteligência; votar é demonstração de burrice. Deve ser por aí.

Ora, não me perguntem porque estou, também eu, divagando sobre a burrice humana. Se burrice é destino, cumpro o meu. E está escrito: “primum vivere, deinde philosophari”, primeiro viver, depois filosofar. Se já vivi um bocado, posso filosofar um pouco. E a burrice, mesmo sendo genética – ou “et pour cause”– me fascina. Por exemplo: ao saber de aumento de salários na magistratura, que ocorrerão em cascata para outros setores, salários de vereadores e congressistas, percebo quanta razão tem meu amigo deputado. Não há políticos burros. Nós, povo, somos aqueles bíblicos merecedores de perdão, multidão dos que não sabem o que fazem. Políticos, desde a vereança, já sabem o que fazem e fazem o que querem. Salário de político é invenção de gênio. Bom dia.

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