Por que dar presentes mesmo?

20121217.rc_.xmas_Durante décadas e décadas, a célebre pergunta de Machado de Assis instigou reflexões: “Mudou o Natal, mudei eu?” Na realidade, tanto ele, tanto cada pessoa como o Natal foram, a pouco e pouco, mudando. E isso faz parte da lógica da própria vida, um processo permanente de mudanças. A falta de lógica – ou o surgimento de uma lógica apenas materialista – surgiu com mudanças brutais, radicais, rápidas e constantes, que criam, inevitavelmente, perdas de identidade.

Hoje, Machado de Assis talvez se perguntasse: “O que é Natal, quem sou eu?” Ou, então, não perguntasse nada, exatamente por saber que não haveria respostas e inútil seria  a indagação. Ora, não me digam que sou ou estou pessimista. Não o sou, nem estou. Ocorre, apenas, que quem já viu o muito que foram a vida e o mundo consegue avaliar o pouco em que se transformaram. Muito em tecnologia e avanços científicos; pouco, pouquíssimo na ordem espiritual e moral. Admiráveis avanços tecnológicos, lamentáveis desprezos ao humanismo.

Até Papai Noel é outro, na deformação de uma lenda cheia de encantos que, por séculos, seduziu o mundo. Antes de ser o velhinho gorducho, vestido de vermelho – criado para a Coca Cola nos 1930 – ele era São Nicolau, o padre generoso que distribuía presentes aos mais necessitados. A lenda cresceu e, nos Estados Unidos, surgiu o Santa Clauss, agora também com a figura oficial de Papai Noel. E os presentes – de uma generosidade espontânea – passaram a ser uma obrigação. A beleza da lenda e o sagrado do Natal foram devorados pelo consumismo alienado e alienante de agora.

A vida sem ritual perde quase todo o encantamento. Tempo de Natal, há algumas décadas, tinha – ainda e pelo menos – um mínimo do sagrado. As crianças eram o centro das atenções, na reverência natalina ao Deus Menino. Jesus recebera, ao nascer, incenso, ouro e mirra de presente. As crianças passariam a receber alguns mimos, como reminiscência do início do cristianismo. E o Natal foi mudando. E as pessoas também. E de tal forma que o Menino, nascido na manjedoura, acabou substituído por Papai Noel. Não mais São Nicolau, Santa Clauss, mas o velhinho gorducho e simpático da Coca Cola.

E os presentes – que eram simples rememoração, simbolismos voltados às crianças – tornaram-se uma obrigação para todos. Não dar presentes no Natal – com as exceções de sempre – se tornou como que um ato de incivilidade, de rebeldia social. E a publicidade e a propaganda aumentam a ansiedade e o complexo de culpa, acelerando, também, angústias e frustrações ocultas. Por que damos, hoje, presentes de Natal? A pergunta pode ser alarmante mas a resposta será quase coletiva: “Ora, porque é Natal.” E se se perguntar o que é Natal, outra resposta poderá surgir: “Natal é tempo de comprar e dar presentes.”

Natal é angustiante para a maioria das pessoas porque, na realidade, perdeu o significado. Nem mais como reunião amorável de família a data parece ter sentido. Pois as famílias também mudaram e, agora, não se sabe mais definir o que seja uma família, tal a variedade delas. Torna-se quase impossível – para uma multidão crescente de famílias – viver um Natal em uma só família. Como reunir maridos e ex-maridos, mulheres e ex-mulheres, e tantos filhos de tantos casamentos numa só reunião familiar de Natal?

Há, porém, ainda muitos que vivem um Natal mais humano. E benditos sejam eles, que mantêm um espírito religioso que, em muitas outras religiões, é celebrado em outras datas e outras rememorações históricas. Machado de Assis, hoje, poderia – com ainda mais perplexidade – indagar: “Cadê o Natal, cadê eu?” E a resposta estaria nas vitrinas das lojas, nas promoções comerciais e na atração quase irresistível das peças publicitárias na tevê. O Menino sumiu.  Bom dia.

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