Primeira aula de jornalismo

Nestes dias, grandes executivos da imprensa internacional estão reunidos para discutir os rumos do jornalismo impresso e da chamada multimídia. Discutir-se-á, na verdade e prioritariamente, a questão empresarial, atualmente bombardeada por um maremoto de transformações. A grande verdade – que, porém, não se diz e nem se revela claramente – é que os jornais impressos, à maneira como estão e como o conhecemos ainda hoje, estão com os dias contados. Ou se transformam ou irão desaparecer. A internet é a grande revolução no universo da comunicação universal, provocando mudanças radicais em tudo.

Tenho, para mim, que, para o jornalismo impresso, chegou o fim da notícia, a morte dela em letra de forma. Notícia, quando e se houver, já está imediatamente publicizada pelos meios de comunicação eletrônicos, redes sociais, etc. E, em meu ponto de vista caipiracicabano, há uma única saída, aliás importantíssima, para os jornais diários: o jornalismo investigativo, a reportagem especial e ousada e, em especial, a opinião dos articulistas e especialistas em temas fundamentais para a sociedade. Será a volta da inteligência às redações. A notícia estará espalhada pelo ar. A sua interpretação, a análise, as avaliações, hipóteses – essas, fundamentais, serão especialidades dos da imprensa impressa, se não for redundante a expressão. Logo, redações serão espaços de intelectuais. Como acontecia no passado.

Vejam bem: redação de jornal era a melhor e mais importante escola literária que existia. Filósofos, pensadores, intelectuais de todas as áreas ocupavam espaços como homens de opinião e de pensamento. Entrar numa redação de jornal era como entrar num templo de sabedoria. Era privilégio ser escolhido para participar, mesmo como ouvinte, daquela verdadeira elite intelectual. Jornalistas iniciantes nada ganhavam, a não ser a notável experiência do aprendizado. Por isso, quase todos tinham profissões paralelas onde obtinham o seu sustento. E nem se falava em faculdades, sendo exceção, se mal me lembro, apenas a Casper Líbero.

Aos 16 anos, já escrevendo minhas coisas, fui levado, por João Chiarini, ao Jornal de Piracicaba. E lá comecei meu aprendizado, como auxiliar de revisão daquele que viria a ser um dos grandes psicólogos, educadores e intelectuais brasileiros: nosso conterrâneo Samuel Pfromm Neto. Lá, foi publicada a minha primeira crônica. E, pouco tempo depois, me vi no Diário de Piracicaba, com Sebastião Ferraz, após estar entre os vencedores de um concurso literário. Meu pai tentou boicotar meu ingresso em jornal, mas essa é outra história.

Ferraz me levou até o redator-chefe de então, Izidoro Polacow, que me recebeu com frieza desconcertante, um todo-poderoso diante de um moleque. Quis saber o que eu pretendia, em que ano escolar eu estava, essas coisas. E me disse, então, que iria me dar a primeira aula de jornalismo, que deveria durar algumas semanas ou meses. Emocionado, preparei-me para o aprendizado, já me vendo como um novo David Nasser, um outro Carlos Lacerda.

Polacow me fez sentar a uma mesa sobre a qual jogou diversos jornais paulistanos do dia: Estadão, Folha da Manhã,Diário de São Paulo, Correio Paulistano, outros de que não me lembro. Saiu de perto e, logo em seguida, voltou. Trazia uma tesoura na mão. Entregou-ma. E disse:”Agora, você vai ler esses jornais e recortar, com a tesoura, as notícias que mais lhe chamarem a atenção.” Senti-me humilhado, arrasado. Recortar notícias de jornais? Era isso, então, fazer jornalismo?

Izidoro Polacow ficou à espera de minha reação, aguardando o meu manejo da tesoura. E eu, sentindo-me o mais infeliz dos moços, atingido em meu orgulho, em meus sonhos. Então, ele deu a lição: “Se você souber distinguir, como leitor, a importância de uma notícia em relação às outras, significa que você tem senso. O primeiro passo é esse: ser “recórter”. Um bom “recórter” tem condições de vir a ser um bom repórter”.

Fiquei “recórter” por algumas semanas, entrei na revisão por outros meses, fiz cobertura de notícias policiais, depois de esportes e, finalmente e um dia, Polacow e Ferraz decidiram publicar um artigo meu. Era a minha faculdade de jornalismo. Aprendi que escrever não se aprende em universidade. Nem jornalismo. É mais complicado do que parece. Bom dia.

1 comentário

  1. Patrícia Polacow em 19/10/2012 às 14:06

    Boa tarde, Cecílio. Tivemos o mesmo primeiro professor. Minhas aulas eram em casa. Recortagem nos finais de semana, leituras comentadas dos meus textos (!!!) sentados no sofá, sabatina musical, judaísmo homeopático, aquele humor impiedoso… As críticas dele eram (são ainda, às vezes) banhos de água das mais geladas. Sempre por perto, me acompanhando. Ainda bem! Abraços, Patrícia Ozores Polacow

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