Qual empresa contrataria um vereador?
O Ministério Público está começando a investigar possíveis irregularidades cometidas na Câmara Municipal. Se o fio da meada se estender, acabará chegando também ao Executivo. Pois ambos os poderes tornaram-se como que irmãos siameses, de tão ligados e associados. Repito e insisto: as exceções existem, mas, de tão poucas, nenhuma influência exercem. E, no entanto, mantêm a dignidade.
Piracicaba – por responsabilidade coletiva, mas, em especial, do Legislativo e da quase totalidade dos meios de comunicação – pareceu, até aqui, um oásis de lisura, um paraíso de decência administrativa, cidade onde não se ouve falar em corrupção, em superfaturamento de obras, em concessões privilegiadas. Deveríamos ter recebido o prêmio de “Cidade das Excelsas Virtudes Políticas”. Mesmo sendo um prêmio farsante, seria belo para coroar essa ilha de fantasia.
Há alguns anos, um prefeito – também obreiro, com muitas obras – lamentava-se das críticas que recebia e acabou fazendo uma pergunta e outra afirmação. A pergunta: “O que é essa questão social que eu não entendo?” Ele fazia obras suntuosas e a “questão social” nem sequer era discutida. E a afirmação que o ilustre preboste fez: “Para mim, tudo o que é legal é moral.” Portanto, uma declarada confissão de amoralidade. Pois a premissa e a afirmação são falsas, já que nem tudo que é legal é moral. A ditadura impôs uma ordem legal, mas não foi nem legítima e nem moral.
De uma certa forma, isso está acontecendo com a Câmara de Vereadores de Piracicaba e com a quase totalidade dos nobres edis. Para eles, importa o que é legal, mesmo que a legalidade seja obtida através de acordos nem sempre claros e de compromissos não revelados. A ordem moral está sendo dilapidada pela desculpa legal. O que ocorre naquela casa, porém, embora sendo legal em muitas situações, não é moral em quase nenhuma delas. Afinal de contas, a vereança é serviço ou emprego?
A irritação da maioria dos senhores vereadores diante dos protestos da população não tem qualquer sentido. Pelo contrário, ela mostra a arrogância, a prepotência de políticos e a pouca importância que dão à “voz das ruas”. É como se tivessem recebido, com o mandato, “indulgências plenárias”, de forma que estão perdoados antecipadamente. Mais do que isso, alguns se julgam abençoados. E, de certa forma, parecem o ser, tais os benefícios e privilégios que os diferenciam da maioria absoluta dos simples mortais.
Uma pergunta deveria impor-se: qual a empresa privada que contrataria um vereador com os mesmos salários, benefícios e poucos deveres que a Câmara lhes concede? Senão, vejamos: um vereador recebe o subsídio bruto de R$10.900,00. E tem, a seu dispor, um gabinete equipado com todos os recursos e mais cinco (5) assessores e um estagiário para lhe servir. A sua única obrigação legal é comparecer a apenas duas sessões camarárias semanais. Ou seja: duas noites por semana. E a uma que outra sessão extraordinária. Acontece que, frequentemente, há vereadores que aparecem apenas no segundo expediente das sessões. E que não se fale de trabalhos feitos fora da Câmara, pois isso é parte do jogo eleitoral.
E há mais: cinco automóveis com motoristas – sendo um deles, exclusivo para a Presidência da Câmara – estão à disposição dos nobres edis. E, em caso de viagens, a diária do vereador é de R$88,75, sendo de R$68,17 por assessor. Aliás, cada grupo de assessores ganha cerca de R$10.000,00 por mês. Por aqui, pelo visto, não acontece o que ocorre em outras Câmaras: assessores cedem parte de seu salário aos vereadores.
E ainda mais: cada vereador tem cotas exclusivas para despesas com telefones, selos para endereçamento de correspondência e um festival de cópias xerocopiadas em branco e preto e em cores. Aquilo que seria “dispensa por justa causa” numa empresa particular, na Câmara há a “perda de mandato” se ocorrerem cinco faltas consecutivas, não justificadas. No entanto, “justificar faltas” é tão simples que nem seria necessária a exigência. Ou não?
Qual empresa privada contrataria um vereador com tantas regalias, independentemente de sua competência? Qual vereador mereceria essa festa de arromba na empresa privada? Lembro-me de quando a adorável Madalena foi minha empregada, fiel amiga. Ela ganhava, comigo, salário mínimo. Hoje, está na corte dos amigos do rei.
Ora, isso tudo – justificam os nobres edis – é legal. Legal mas não legítimo, porque herança da ditadura. E o povo tem o direito de se indignar com a imoralidade desses privilégios. Afinal, qual é a retribuição que a Câmara de Vereadores dá à população, se se tornou aliada fiel do Executivo e nem fiscalizar as suas ações o faz?
Se uma só, uma única empresa contratar qualquer vereador com tantos benefícios e tão pouco trabalho, o povo deverá calar-se. E não vale vereador dizer que trabalha todos os dias no gabinete, atendendo a população. Isso é fazer política, outro privilégio: tem até escritório particular fazer proselitismo. E elaborar mensagens congratulatórias, criar prêmios, conceder títulos. Por que não se instala uma Ouvidoria para atender à população? Ora, já se sabe: e como ficaria o aliciamento de leitores?
O importante, creio eu, é insistir na pergunta: qual empresa privada contrataria um vereador com tantos privilégios e tão poucos serviços? Ora, atender casos e questões particulares é atividade de despachante. A de vereador é a de legislar, defender direitos da população, ser fiscalizador do Executivo. Não é à toa que o Legislativo sempre foi considerado o “Poder legitimamente popular”. Foi.
Ler esse artigo, é VER-a-dor, de ter que conviver com uma classe que se perdeu no tempo, no espaço e na própria história. Enquanto as urnas não vêm, só mesmo fazendo uso de apelo aos céus: – LIVRAI-NOS DOS MAUS. Amém!
Na sessão de segunda passada vi como se comporta a turma do prefeito. O líder ameaça se levantar para rejeitar o que afeta o executivo e a ‘base aliada’ – já com meia bunda na cadeira – se posta em pé. Uns com a cabeça baixa por sentirem talvez vergonha de suas atitudes; outros estão nem aí com a própria dignidade. Se tivesse votado num deles morreria de vergonha e não diria a ninguém. Aliás a turma do prefeito, se não me engano uns 18, vale um voto só. Portanto, na verdade temos perto de seis vereadores.
Eu adoooro os vereadores. Tanto assim, que quando fui informado que seria um dos homenageados pela criação do Salão de Humor, garanti que não estaria presente, porque eles não me representam em nada. Entregaram-me, em casa, uma pasta com a “honraria”. Recebi-a somente para poder confirmar as besteiras escritas, como justificativa, para também sentir a mesma irritação do Nardin com o texto. Como lamento, quando vejo fotos de piracicabanos babando, ao lado do vereador, que lhes concedeu um título qualquer, o que é rotina. Dia desses um cachorro acabará recebendo o título de “cidadão preclaro”, concedido por aquele rosado vereador que vive aparecendo em fotos abraçando os bichinhos…