Quando eram 31 vereadores e 4 funcionários

Reaja PiracicabaIngressei no jornalismo em 1956, mal havia completado 16 anos de idade. Já contei de minha primeira experiência, como “recórter de jornal”, a tesoura que Izidoro Polacow me deu, primeira aula. Caminhava-se de degrau em degrau: “recórter”, assistente de revisor, colhedor de informações policiais, de esportes, de projetos e moções camarárias.  A pouco e pouco, formava-se um repórter e, tendo sorte e certo talento, chegava-se a redator.

Comecei a acompanhar as sessões da Câmara Municipal no auge dos debates e dos conflitos que sucederam ao suicídio de Getúlio Vargas. Aquilo me fascinava e vi, com o tempo, o surgimento de futuros líderes políticos de Piracicaba. Cito alguns, sabendo que – “currenti calamo”, ao correr da pena, como se falava antes – não farei justiça a tantos outros. Citarei – agora, “currenti netbook” – apenas alguns: Domingos José Aldrovandi, Salgot Castillon, Romeu Italo Rípoli, Francisco Antônio Coelho, João Basílio. Foi um tempo, também, de graves crises políticas municipais, como narrei em meu livro “Piracicaba Política – A História que eu sei (1942-1992)”.

É, sim, a história que eu sei. E quem quiser ou puder que conte outra. Naqueles anos, vereadores eram eleitos para exercerem mandatos sem qualquer remuneração. E isso não impedia que classes sociais diferentes fossem representadas no Legislativo: operários, trabalhadores rurais, profissionais liberais, “et alii”. Ainda hoje, confesso-o, não consigo entender porque a imprensa local – então resumida ao Jornal e Diário de Piracicaba – tanto criticava os vereadores, homens que trabalhavam gratuitamente pelo município. Era, no entanto, um dever jornalístico. E aprendi a fazê-lo também.

O que espanta é o fato de em 1956 haver, na Câmara Municipal, 31 vereadores. E apenas quatro(4) funcionários os atendiam, assessorando-os, ajudando-os a legislar, cuidando de toda a parte burocrática. E não se diga que havia menos trabalho do que agora, pois a produção era intensa. Eu poderia, hoje – diante do quadro atual – afirmar que eram verdadeiros heróis, aqueles servidores dos quais me lembro com respeito, quase todos eles ainda vivos: Zeca Herling, Guilherme Vitti, Lino Vitti e José Gomes, o “Zezinho da Câmara”.

A oposição e a vigilância aos prefeitos chegavam a ser ferozes. E, diferentemente de hoje, o Prefeito não conseguia a maioria camarária apenas acenando com benesses e atendendo a pedidos paroquiais. Havia respeito às definições partidárias e os interesses de Piracicaba e dos piracicabanos eram o centro das atenções. Até para se conceder um título de “Cidadão Piracicabano” – assunto a que me reportarei em breve – havia debates, discussões, divergências.

Com o golpe militar, as coisas começaram a entrar em declínio, incluindo o declínio moral. Havia, no entanto, o que eu chamaria de “pudor cívico”, o receio da condenação pela voz popular. A imprensa pouco noticiava de abusos, mas exigia eficiência e respeito pelo cargo. Em 1982, a Câmara Municipal constituía-se de 17 vereadores. E o número de funcionários subira para 7. E já estávamos – não nos esqueçamos – nos debates para o retorno às liberdades democráticas. A ditadura aliciou políticos dando-lhes afagos: vereadores, após o golpe, também passaram a receber o que se chamava “subsídios”. Não se tratava de  salários, pois vereança era serviço.

E hoje? Quantos funcionários, servidores, assessores, regalias e salários realmente altíssimos – legais, sim; mas seriam morais? – os cofres públicos despendem com uma Câmara Municipal cujo mais evidente atributo é estar a serviço do Executivo, cooptada por ele e coonestando todas as suas ações? Quando Antônio Oswaldo Storel fez a sua crítica honesta e pertinente, houve indignações. Pelo visto, ninguém quis aprender lições, preferindo o silêncio comparsa que castra a população e aqueles que têm o dever de exigir, de cobrar, de questionar.

Que a população entenda, cada vez mais, o “Reaja Piracicaba”. E que a Câmara de Vereadores – tão exposta por seus privilégios – tenha, no mínimo, menos medo de uma juventude que começa a lutar por instituições legítimas e não apenas legais. Bom dia.

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