Quem não viu jamais verá

Pátria de chuteirasO futebol está tão enraigado na alma brasileira que, paradoxalmente, se transformou num dos mais cobiçados instrumentos político-eleitorais. A sincera e esfuziante paixão do povo é, quase sempre, maculada pelos interesses oportunísticos de políticos. Aqui mesmo em Piracicaba, ser “presidente do XV” tornara-se  um trampolim para o poder políticos. E a lista é enorme: João Guidotti, Bento Dias Gonzaga, Luciano Guidotti, Antônio Romano, Humberto D´Abronzo, dr. Antônio Cera Sobrinho, Romeu Italo Rípoli e outros mais que, ao correr do teclado, não me vêm à memória. Um que outro teve sucesso.

Eram, sim, quinzistas apaixonados. Mas as suas ambições políticas não eram menores. O mesmo ocorreu na radiofonia piracicabana: locutores apaixonados pelo XV disputaram cargos e houve até os que se elegeram deputado, como Ary Pedroso e Roberto Moraes. Tratar-se-ia de algo imoral ou ilegal? Não. Apenas oportunístico. E prova de que a paixão do povo pelo futebol poderia transferir-se à política. Nem sempre deu certo.

O velho Marx – que começa a ser reconhecido em seu humanismo – já observara: “A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.” Em 1970 – no auge da ditadura – intelectuais e movimentos de esquerda desencadearam uma campanha para o povo “torcer contra o Brasil”. Seria uma forma de prejudicar os militares no poder, tal a exaltação das forças populares. Deu tudo ao contrário: o povo, ao chegar a Copa, entrou em frenesi, extasiando-se com uma seleção que acabou tornando-se tricampeã do mundo. E aconteceu o “Prá frente Brasil

O futebol é paixão universal. Agora mesmo, com a simples “viagem da taça” por quase 100 países –  com os povos exultando – o troféu é acolhido pelos brasileiros como se fosse o “Santo Graal”. O futebol interrompeu guerras, auxiliou – numa trapaça vergonhosa – a continuidade da ditadura argentina. Guerras na Nigéria e em Biafra fizeram trégua para que os guerreiros vissem o Santos F.C. de Pelé.

Infelizes os que não viram Pelé e Garrincha – tendo Didi, Newton Santos, Zito, Djalma Santos como maestros – jogar. Era magia pura. Basta lembrar deles para que sorrisos de alegria nos iluminem os rostos. Pelé foi o artista completo, irrepreensível, alguém que nunca mais irá se repetir. A própria Nasa – estudando toda a estrutura física, psicológica do verdadeiro Rei do futebol – concluiu que ele seria Pelé em qualquer atividade esportiva que desempenhasse. Um fenômeno humano. E Garrincha – por suas deficiências físicas, as pernas inacreditavelmente deformadas – foi o mais verdadeiro “clown” a alegrar os campos mundiais de futebol. Torto, quase manquitola, Garrincha parecia desafiar as leis físicas. Se Pelé era a arte completa, Garrincha foi a alegria, a grande festa do futebol

Quem não viu jamais verá. Mas a Copa do Mundo já está no coração do povo, apesar da histeria artificial dos que querem repetir, agora como comédia, a história de 1970, que não deu certo. É o mundo de olhos no Brasil. Serão dois bilhões de expectadores olhando-nos pelas telas dos televisores. Agora, mais do que em 1950 – com a tragédia no Maracanã – somos a Pátria de Chuteiras. Algumas dúzias de agitadores profissionais, de frustrados, talvez de mal-amados não conseguirão deter o tremular da bandeira nacional nos céus de todo o mundo. Problemas que existirem – e que existem – sejam resolvidos em foros adequados. A Copa do Mundo é – não importam racionalismos estéreis – a faísca do entusiasmo e da esperança, num Brasil que nasceu para ser grande e harmonioso, ao contrário do que desejam os infames derrotistas. E bom dia.

2 comentários

  1. Delza Maria Frare Chamma em 25/04/2014 às 11:22

    Cecílio,
    Parabéns pela crônica e evocação dessa magia que tem sido o futebol como paixão universal. Com a aprovação, ou não, de meia centena de provocadores, desses que repetem chavões e se colocam à disposição da lavagem cerebral feita pela mídia, a Copa Mundial, aqui no Brasil, como você bem disse – “já está no coração do povo, apesar da histeria artificial dos que querem repetir, agora como comédia, a história de 1970, que não deu certo. É o mundo de olhos no Brasil. Serão dois bilhões de expectadores olhando-nos pelas telas dos televisores. Agora, mais do que em 1950 – com a tragédia no Maracanã – somos a Pátria de Chuteiras. Algumas dúzias de agitadores profissionais, de frustrados, talvez de mal-amados não conseguirão deter o tremular da bandeira nacional nos céus de todo o mundo…”

  2. Antonio Carlos em 26/04/2014 às 15:38

    Beleza de texto. Se a bola tivesse corrido SOLTA esse país estaria muito melhor.

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