“Quero terminar meus estudos…”

Terminar meus estudosA PROVÍNCIA divulga – há um comentário de uma jovem leitora, Nilzete Pinheiro Santos, que deveria, em meu entender, despertar muito mais interesse do que desfiles de moda, lançamento de últimas novidades em automóveis, formas de consumo esbanjadoras e supérfluas. Mais do pungentemente, Nilzete escreve de maneira dolorosa, simples, um libelo que deveria doer na alma dos que ainda a tem: “Moro em Santa Terezinha, muito longe. Não tenho dinheiro do passe e gostaria muito de acabar os meus estudos.”

Onde estão e o que fazem os nossos homens públicos, muitos deles políticos apenas fanfarrões? Quantas obras inúteis e voltadas apenas para interesses de poucos, quando não apenas para enriquecer ainda mais empreiteiras, continuam sendo feitas enquanto direitos mínimos, atenções necessárias e cuidados sociais fundamentais são desprezados? Se um jovem quer estudar e não pode faze-lo “por morar longe e não ter dinheiro do passe”, provado está continuarmos estimulando uma sociedade fútil, vulgar, egoística, acima de tudo, uma falsa democracia que apenas mascara regimes e sistemas oligárquicos.

O Estado de São Paulo, que se orgulha – com números, estatísticas e realizações de obras monumentais – de ser uma unidade federativa em nível de primeiro mundo, tem-se mostrado incapaz ou desinteressado em resolver e equacionar elementos fundamentais de nossa gente: educação, saúde, segurança. Como entender – e admitir – que, em Piracicaba, que foi o Ateneo e a Atenas Paulista, haja crianças e jovens que não podem estudar por questões de distância e de falta de dinheiro para comprar passes de ônibus? Para que servem secretarias de educação, de serviço social, de desenvolvimento, se – já entrando na segunda década do século 21 – continuamos a lamentar de problemas próprios do início do século 20? Lembro-me de quando Dovílio Ometto – um dos mais poderosos empresários de Piracicaba em todos os tempos – nos contava, em noites mais serenas e ao sabor de bom vinho ou uísque, da aventura de sua infância pobre, no bairro da Água Santa: ele e os irmãos precisavam caminhar a pé ao longo de cinco quilômetros, em estrada de terra, para ir de seu pequeno sítio até a escola mais próxima. E hoje uma jovenzinha de Santa Terezinha não pode estudar por não ter como pagar um passe de ônibus.

Quando penso que cansei, que não vejo mais saídas – num tempo em que tudo é descartável, incluindo dignidade, nobreza, solidariedade – sinto, no coração e na alma, a indignação viva e pulsante. Ora, se os políticos permitem que uma jovenzinha não estude por dificuldades financeiras, é tempo de repudiarmos a atividade política e, a partir daí, criarmos mecanismos da própria sociedade civil para remendar o que foi rasgado, reconstruir o destruído e recuperar também a vergonha perdida. O e-mail da moça é [email protected] Que, pelo menos, uma empresa de ônibus vá em seu socorro, já que o poder público ninguém mais sabe para que serve, a não ser para construir pontes, rodovias, avenidas e anunciar a obra realizada. O ser humano está sob os escombros de construções destruidoras. Apenas rezar para Nossa Senhora Aparecida e não enxergar o outro desesperado é mais fácil, não? Neste dia dela, bom dia.

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