Reconquistar ruas e praças

Dói-me no peito ouvir o sentido pejorativo que se dá a “meninos de rua”. Pois eu fui menino de rua, meus amiguinhos o eram também. A rua era dos meninos. E, também, as praças. As pessoas passeavam, andavam, caminhavam, namoravam, jovens fazendo o “footing” nos parques e jardins. Meninos de rua corriam soltos pelas calçadas, fazendo traquinagens, brincando ou, simplesmente, indo às escolas, sem a necessidade de serem levados pelos pais.

Ainda hoje, não sei se tive sorte ou azar por, em minha vida, tudo ter começado cedo demais. De qualquer maneira, há momentos – como agora – em que me sinto privilegiado por ter acompanhado, vivido e participado de toda uma história admirável dessa minha terra que vai deixando de ser “cheia de flores, cheia de encantos”, para se transformar em apenas uma cidade como outra qualquer, selva de pedra. E minha gente, meu povo, tão generosos, solidários – cadê?

As cidades permitiram-se – em nome da produtividade que não tem sentido sem humanismo – desfigurações, numa urbanização feroz e ao feitio dos bárbaros, esquecidas dos seus significantes civilizatórios. Cidades têm alma. Quando se tornam apenas corpos, confundem-se com objetos estranhos, presídios, prisões, cativeiros. E não adianta tolos dizerem que tudo muda, pois isso é o óbvio. A grande questão está na forma e no tipo de mudanças, se para melhor, se para pior.

Quase ninguém mais sabe para que servem as cidades – se lugares de viver, de sonhar, de amar, de ter filhos, família, de educar, de tentar ser feliz; se, apenas, territórios de guerras incruentas mas nem por isso menos cruéis. E é também de uma ironia cruel perceber o que começa a ocorrer, esse caminho inverso: antes, o homem da zona rural migrava para a área urbana, que inchou e se tornou monstro devorador. Agora, quanto mais urbano o homem, ele está em busca de alguma forma de paz na zona rural. Em sítios, em chácaras, em lugarejos. A mãe natureza chama. E filhos sábios ouvem-na.

Há, em Piracicaba, ainda, pequenos bairros pacíficos, com famílias solidárias, homens jogando truco em mesas de bares, mulheres conversando às portas das casas, crianças correndo pelas ruas. Isso significa que a alma não morreu. Que sobrevive na sabedoria do povo que, sem grandes elucubrações, encontra seu próprio caminho.

Não estaria, pois, na hora de a população criar um movimento próprio e mais inteligente do que esses movimentos apenas espetaculosos – e unir-se e reunir-se para tomar de volta as praças, as ruas, as calçadas, os parques, os espaços públicos? Ou, derrotados e vencidos, entregamos a cidade a bandidos, ladrões, especuladores, oportunistas? Talvez, por mais prosaico pareça, fosse hora de ouvir novamente Castro Alves: “a praça é do povo como o céu é do condor.” E bom dia.

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