Relembrando a torta

picture (70)Bem…Disseram-me que, após os 50 anos, uma pessoa tem direito a tudo, seja homem ou mulher. Logo, pode-se falar e não falar, fazer e não fazer, fingir-se de surdo, de cego, de mudo, de esclerosado – tudo lhe é permitido, foi o que me ensinaram. Para mim, mais permitido ainda, pois me aproximo dos 70.

A dificuldade está em leitor carrancudo. Especialmente entre homens, alguns são sérios como islamistas no ramadã. Entre mulheres, não. Quanto mais amadurecem, mais divertidas ficam. Parecem tirar o atraso de repressões antigas, e, agora, riem, divertem-se, contam piadas, vêem o Big Brother, vão aos bingos e não dissimulam. Se forem viúvas, mais bem humoradas se tornam.

Homem, envelhecendo, fica chato, talvez coisas de testosterona e de libido. Com baixo nível hormonal, a libido esmorecida, homem fica insuportável, implicante, triste, neurastênico. Se, antes, achava lindo mocinha de minissaia, passa a implicar: “falta de vergonha, onde é que vamos parar, é o fim do mundo.” É a velha história da raposa e das uvas. Para homem velho – nem todos, nem todos…– todas as uvas estão verdes.

E isso o que tem com aquilo? Tem. É que estou com vontade de escrever de vontades minhas e fico com receio de leitor com humor seco e reganhado. Por exemplo: lembram-se da torta que tacaram na cara do então ministro Berzoini? Coisa feia, incivilizada, concordo. Mas deve ser uma delícia tacar torta na cara dos outros, especialmente de homens públicos corruptos. (Não me refiro ao Berzoini.) Essa vontade me acompanha desde a meninice, ao ver filmes do Oliver Hardy e do Stan Laurel, os formidáveis “Gordo e o Magro”. O Stan, o Magro, judiava do Oliver e, quando menos se esperava – uau! – a torta estourava na cara do Gordo, que, guloso, lambia o creme que lhe escorria na boca.

Aquilo me fascinava. E passei a ter um sonho: tacar uma torta na cara de uma freira do Colégio Assunção, a Irmã Rosa; e outra, na cara dos meus saudosos professores de Física e de Matemática. Fiquei só na vontade.

Depois dessa sujeirada toda do Daniel Dantas, sujeiradas com políticos, voltou a atiçar-me um ardente e antigo desejo: roubar nem que seja uma fruta, uma bala, uma palha de aço em supermercado. Enfiar no bolso e sair correndo. Não posso morrer sem conhecer a sensação de roubar num país de tanta ladroagem. Mas tenho medo: meu delito seria de ladrãozinho pé de chinelo e este vai para a cadeia.

Ora, é feio e indelicado tacar torta na cara seja lá de quem for. Mas há quem mereça. A corrupção não tem fim, arraigada, alastrando-se como peste. Qualquer político cauteloso deveria ter medo, hoje, de se apresentar em público: será vaiado ou levará torta na cara, hipótese menos provável, esta última, pelo preço das coisas.

De qualquer maneira, essa história de torta, de corrupção, de políticos, me faz lembrar, também, de duas atualíssimas personalidades. A primeiro é o historiador e filósofo inglês Lord John Acton que, há mais de dois séculos, nos ensinou: “O poder político tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente.”

E o outro é Adhemar de Barros, que, em relação aos que o sucederam, está beatificado. Tempos bons, os de Adhemar: “rouba mas faz.” E Adhemar ensinou que não é possível haver caixinha ou comissão se não fizer obras. Quanto mais obras, mais caixinha. Sábio, o velho Adhemar. Que fez escola. Bom dia.

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