Religião e charlatanismo

Em nome de Deus e de religiões, cometem-se, também, os mais sórdidos crimes. Guerras se fazem em nome de Deus, manchando a Terra de sangue desde séculos sem conto. Guerras continuam acontecendo também em nome de Deus ou de culturas religiosas, como ainda ocorre no embate entre Ocidente e Oriente, entre judeus e palestinos, como aconteceu com a perseguição ao povo judeu por séculos sem fim.

Nos últimos tempos – como que numa outra e melancólica demonstração de colonialismo cultural, herança estadunidense – o Brasil vem assistindo a espetáculos surpreendentes de grandes negócios, de grandes acordos empresariais e políticos, em nome de religião e de religiões. Em nome de Deus, criam-se fortunas e prejudicam-se pessoas ingênuas e simples; em nome da fé e da religião, conseguem-se benefícios fiscais de governos e de governantes; em nome da política e dos interesses políticos, negociam-se escrúpulos, conceitos, princípios, valores e a própria fé. A ascensão de pastores ditos evangélicos na política é eloquente. Como eloquente também é a explosão empresarial de seitas que, passando por igrejas, ludibriam fiéis e tornam milionários seus pregadores e fundadores. Duas delas já estão sob a mira da justiça que, de vez em quando, acorda e age: a Igreja Universal do soi-disant bispo Edir Macedo, a Renascer, cujos líderes acabam se cumprir pena nos Estados Unidos e devem prestar contas à justiça brasileira.

O charlatanismo é, em alguns casos, de tal forma evidente que fica difícil, à população minimamente esclarecida, entender como o Ministério Público não age de imediato, dadas as falcatruas espirituais que podem ser vistas diariamente até mesmo em programas de televisão. Vendem-se milagres como se vendem sabonetes. Pior ainda: vendem-se milagres conforme os preços cobrados, o dinheiro doado. A cada programa de televisão, a inteligência brasileira e a decência do povo é ferida por pastores que fazem curas, que prometem salvações eternas, que vendem lugares reservados no céu e espaços aconchegantes no paraíso, no seio de Abrahão.

Isso ocorre também em Piracicaba, onde a democracia está sendo viciada e deformada em relação à representação política por influência de pastores que vivem em promiscuidade com partidos políticos. Um desses pastores teve o desplante de dar uma entrevista à imprensa local em que declarou, com todas as letras, “ter negociado com o deputado Thame”, razão porque se vangloriava de “dar 50 mil votos ao candidato tucano à Prefeitura”. Se um só pastor tem o poder de carrear 50 mil votos a um candidato, a democracia está comprometida e, até hoje, não se entendeu o silêncio do Ministério Público em Piracicaba que, aliás, parece não querer acompanhar a valentia, o arrojo e a consciência cívica de promotores de Justiça que estão fazendo, no Brasil, uma verdadeira revolução moral. Em Piracicaba, o nada que se sabe em relação à corrupção política – que precisa ser denunciada, provada, investigada, perseguida por populares, como se não houvesse organismos oficiais – está em segredo de Justiça. Ou esteve.

O fato é que, pela multiplicação de seitas e pela descoberta do caminho das pedras do faturamento fácil, a questão religiosa começa a freqüentar as páginas policiais da imprensa, o noticiário da corrupção nas emissoras de tevê. Por mais tarde isso pareça, ainda assim é bom sinal. Que deveria ser visto e sentido em Piracicaba, onde pastores já se organizam para bons negócios políticos no ano que vem. Bom dia.

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