República Popular do Corinthians

CorinthiansUm dos meus mais sérios conflitos cívicos aconteceu-me em 1958, antes de a seleção brasileira embarcar para a Suécia, disputaria a Copa do Mundo, nosso primeiro título de campeões. A seleção fez, no Pacaembu, um amistoso contra o Corinthians, num jogo à noite. Estudante em São Paulo, sei lá o que ou como fiz para amealhar um dinheiro e comprar ingresso para o grande jogo. Pois, para nós, corintianos, era um jogo, um grande jogo, não um simples treino da seleção.

Naquela noite, descobri o que meu coração sabia e a razão evitava aceitar: eu era mais corintiano do que brasileiro. Pois, feito um desesperado, torci contra a seleção, querendo que o meu Corinthians vencesse e que o resto do mundo se danasse. Saí do Pacaembu com a alma em frangalhos. Apesar de Luizinho – que os corintianos sabíamos ser superior a Didi – fazer malabarismos no campo, perdemos por 5 a 0. E um rapazinho endiabrado, de pernas tortas – que nem titular da seleção ainda era – um tal de Garrincha, marcou dois gols contra o Corinthians. A dor foi imensa. Descobri que meu país se chamava Brasil, mas que eu pertencia a uma outra nação: a corintiana. E senti que, um dia, essa nação teria seu território, suas leis próprias, seu lugar de estar, uma identidade comum. Aconteceu neste centenário da nação amada, idolatrada, salve, salve, Curinti, Curintia, tum, tum, tum…

No dia 31 de agosto, o que passou, sentei-me para escrever uma ode ao Corinthians em seu centésimo aniversário. O meu propósito era postar o artigo exatamente à meia-noite, quando os rojões do Brasil inteiro estivessem espocando, o tugir e o mugir da multidão enlouquecida no Anhangabaú. Pensei até em, ao escrever, fazê-lo com a camisa do centenário, que ganhei de minha nora. Seria um ritual, uma celebração. Mas, como se fosse praga de palmeirense – seria de um de meus netinhos, infelicitado pelo pai com a escolha do Palmeiras para torcer? – não pude fazê-lo: com falhas no computador, fiquei sem acesso à internet. Senti-me infiel, traidor de minha nação. Mas não desisti: sentei-me diante do televisor, vi a festa enlouquecida do meu povo e, sozinho, abri um vinho, já que champanha eu não tinha em casa. E, à meia noite, com o coração aquecido de paixão, os olhos úmidos, a garganta pulsando de emoção, ergui a taça e saudei: “Curintia, Curintia, meu amor…”

O fato é que, desde hoje, está instalada, no Brasil, a República Popular do Corinthians, governada pelo presidente André Sanchez. É um ato de independência, de secessão, de separatismo: o Brasil passa a ser apêndice da República do Corinthians e o povo brasileiro precisa pedir licença fazer parte da nação corintiana. Há necessidade de passaporte para transitar em nossos territórios, que são ilimitados, com pretensões imperiais, já se falando em conquistar o mundo. A República Popular do Corinthians, para ser ter idéia de nosso poderio, tem até um certo presidente de uma república chamada Brasil, um tal de Presidente Lula, como nosso chanceler. Que república tem o presidente de outro país como seu chanceler? E o nosso embaixador itinerante, ainda que gorducho, é reverenciado no mundo todo, sua excelência Ronaldo Nazário. A capital da república corintiana será em Itaquera e nem os palácios de Brasília ou de Versalhes serão majestosos como o nosso Corintião, já chamado também de Torre Ei, Fiel.

Profetas e sábios, iluminados e predestinados deverão, a partir de agora, introduzir novos versos no Cântico dos Cânticos ou no Magnificat de Maria. Pois a República Popular do Corinthians é um fenômeno sócio-político, um misto de democracia, de teocracia, de monarquia. NO Corinthians e pelo Corinthians, realizam-se as promessas bíblicas: “abandonarás pai e mãe por amo ao Corinthians”; “haverá rangeres de dentes”, mas “sua alma bendizerá ao senhor.” Pois, no Corinthians e para os corintianos, “Deus faz maravilhas.” Os judeus que nos desculpem, mas o povo eleito é o corintiano. Os outros são apenas os outros. Bom dia.

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