Rio, cúmplice e confidente

Rio PiracicabaCerta vez, fui andar pela ponte pênsil, a passarela sobre o rio. Era o trajeto que, quando criança, eu fazia, nadando, de margem à margem, ou escorregando pelas águas do salto dentro de pneus vazios de automóveis ou de caminhão.

Meu pai era um grande esportista, daqueles que ficaram na galeria do Clube de Regatas. Minha meninice, ao lado de meu pai, foi na beira do rio, nas águas do rio. Pescador não fui, que nunca tive paciência para isso. O único peixe que pesquei foi um lambarizinho prateado, em outras águas, numa represa de Cosmópolis, ao lado de Shirley, meu inesquecível amor de infância. Nunca pesquei no rio, crime que não cometi. E, no entanto, fiz xixi nele, parte de mim unindo-se às águas do rio, um amálgama, fusão que nos prende pelo resto da vida, aconteça o que acontecer. Estou nele, ele está em mim. É como engravidar uma mulher. E eu engravidei o rio.

Pois, passeando pela passarela, pela ponte pênsil, fiquei olhando aquela paisagem tão minha conhecida, aquele amor tão enraigado que – ora sofrendo aqui, ora sofrendo ali – nunca termina. Então, vi pessoas andando pela ponte. Ou paradas. Olhares fixos, ao longe. Solitárias. Era como se estivessem pensando, refletindo. Ou tentando esquecer-se de problemas. Ou de amores, quem sabe?

O fato é que vi um espaço, nesse tempo de tanta e tamanha solidão, onde as pessoas podem estar e ter confidentes. Antigamente, quando havia a Ilha dos Amores, dizem que os namorados lá iam, com botes pequenos – meu pai e minha mãe namoraram na Ilha dos Amores- e, então, trocavam juras, faziam promessas falavam de desejos e os deixavam para que as águas do salto os levassem rio abaixo, talvez até o mar, no mergulho infinito.

O rio, pois, sempre foi cúmplice dos sentimentos das gentes. Cúmplice e confidente. Uma cidade não vive sem as suas lendas, os seus mitos, a sua ancestralidade. O rio é o nosso ancestral, ainda vivo, como que um deus eterno que, mesmo definhado pela judiação dos homens, está ai para lembrar coisas e falar de coisas: que a vida corre, que a vida passa, que a vida não se estanca e nem permanece. Passa, mas deixa. Como as águas do rio, que lá se vão, passando, mas deixando pedras e seios em seu leito, marcas de sua passagem.

Eu vi, da ponte pênsil, os fantasmas que povoam o rio. Mas nem mais nisso as pessoas acreditam.

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