Ronaldo sem fim.

Sou, assumida e publicamente, um corintiano desavergonhado. Aliás, não há, nas paixões humanas, nenhuma moralidade ou vergonha. E o corintianismo é paixão doentia, incurável e, portanto, eu diria que inimputável. Estou, portanto, entre os desavergonhados que aplaudiram e vaiaram Ronaldo Fenômeno – o empresário Ronaldo Nazário – que o amaram e que o odiaram, que o endeusaram e que o demonizaram. Ronaldo, também para mim, foi tudo ou nada, o maior e o menor, o ótimo e o péssimo, céus e infernos.

Agora, confesso minha tristeza, uma sensação quase de abandono, sentimento de solidão e de orfandade. Sem Ronaldo, como será a vida no universo futebolístico? E a vida corintiana, como será sem ele, sem a esperança de seus gols, sem a expectativa de seus dons? E confesso mais: senti um nó na garganta, uma vaga dor no coração, ao ver a despedida de Ronaldo, sua emoção, sua humildade em confessar ter sido, enfim, derrotado. “Fui derrotado pelo meu corpo.” E engoli um quase soluço ao vê-lo falar de seu hipotireoidismo – que o impedia de emagrecer e de usar medicamentos que seriam tidos como drogas proibidas para o esporte – de suas dores. Tive vontade de carregá-lo no colo, como um filho meu machucado pela vida. Pois, de repente, Ronaldo não mais me pareceu ídolo do Corinthians e dos corintianos – que somos, ora bolas, maiores do que a outra multidão de brasileiros que idolatraram Ronaldo apenas na seleção – para vê-lo, volto a dizer, como uma criança frágil, desabrigada, indefesa.

Há, no futebol mundial, apenas um e único rei: Pelé. Houve apenas um e único crown, malabarista, saltimbanco: Garrincha. E, agora, na pequena constelação de grandes estrelas, estará brilhando aquele que foi e continuará sendo o Fenômeno. E que se atente para o profundo significado de um fenômeno: é a aparência. Que, por sua vez, deve ser entendida como ocultação da realidade ou manifestação ou revelação dela. Este foi Ronaldo, que aparentou ser tudo aos olhos dos torcedores apaixonados: gênio, milagreiro, duende, fantasma, assombração. E que, ao mesmo tempo, foi a manifestação e a revelação, no futebol, da realidade mágica que encanta, alucina, deslumbra, maravilha.

Não é o fim de Ronaldo. Pois Ronaldo não tem fim. Fenômenos existem desde que haja sonhos, ilusões, esperanças, desejos. Corintianos vivem disso. E Ronaldo já está em nossos corações. Desculpo-me com ele, por tê-lo xingado nos últimos meses. Mas ele já nos desculpou, a todos nós, desavergonhados corintianos apaixonados. Bom dia.

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