Roupa suja não se lava na escola

Alunos e professoresAo longo de quase toda minha vida nunca me recusei a convites para fazer palestras a estudantes, fossem crianças ou adolescentes. E nunca cobrei por isso. Fazia-o com alegria, com a satisfação de poder colaborar com algo construtivo. Há alguns anos – cerca de seis ou oito – deixei, no entanto, de fazê-lo. Pois – ainda que resistindo a aceitar a lamentável realidade – constatei os frutos da semeadura doentia que nossa sociedade fez nas últimas décadas: crianças e adolescentes, nas escolas – e guardem-se exceções destas e daqueles – tornaram-se bandos e turbas. Entre as quais, aliás, também quadrilhas de pequenos bandidinhos.

As últimas pesquisas junto a professores de nossas escolas estaduais revelam a dimensão de nossa tragédia social: professores estão traumatizados, com medo dos alunos. Medo de agressões, que se tornam cada vez mais violentas. De ofensas, de violências verbais e físicas. Professores não têm armas de defesa contra a violência e a maldade desses pequenos infratores. Pois quem usa da violência e da agressão – não importa a idade – é um infrator, um incivilizado, um violador da lei.

O Brasil se orgulha de ter criado leis notáveis em defesa e na promoção dos cidadãos. A própria Constituição foi chamada de Constituição Cidadã. Mas isso tudo – como se fizesse parte do espírito nacional carnavalesco – está apenas no papel, sendo mais farsa do que realidade. Não há lei que sobreviva ou que cause efeito se não for acompanhada de sua respectiva contrapartida de punição caso seja contrariada. O Estatuto da Criança e do Adolescente tenta assegurar todos os direitos deles, prevendo punições graves para quem os violar. No entanto, não se preocupou em prever punições adequadas aos chamados “menores de idade”, tratando-os como intocáveis e idiotizando-os de forma a nos idiotizar a todos nós.

A escola foi, nos últimos séculos, uma garantia do espírito civilizatório. Antes da família – sendo, na maioria da população mundial, apenas um aglomerado de pessoas – era a escola que educava. É o processo civilizatório que nos remete à Idade Média, embora antes também houvesse graves preocupações com o comportamento social. Mas é a partir da Idade Média que os costumes se vão refinando, com noções mais claras de civilidade. E são as escolas as grandes guardiãs de todo esse processo. E são os mestres, professores aqueles em quem as sociedades confiam e aos quais devotam suas especiais admiração e respeito.

Com o tempo, a educação passou a ser responsabilidade da família. A escola aprimorava-a, dando-lhe a solidez do conhecimento. De uma forma simplista, poder-se-ia dizer – e ainda até poucas décadas – que “a família educa, a escola ensina.” Eram instituições que caminhavam juntas, complementares. Tanto assim que quando a escola decidiu que deveria dar aulas sobre sexualidade e sobre religião, a discussão se tornou feroz. As famílias não quiseram abrir mão de dar, a seus filhos, essa educação, que, portanto, fazia parte de um sentido pelo menos primário da responsabilidade educadora dos pais. A escola teria que se ater ao ensino, formando suas regras e cuidando para que fossem respeitadas.

A escola e os professores, hoje, não podem nem sequer promover o ensino formal, pois este supõe a existência prévia de um exercício e de um aprendizado de civilidade, de comportamento social dos alunos. Se a família não exerce essa responsabilidade – formando as bases de um futuro cidadão – estará entregando, no momento adequado, verdadeiros animaizinhos às escolas. E estas, então, em vez de ensiná-los, terá que perder uma quantidade enorme de tempo para domesticá-los. E professores – que deveriam ser mestres e educadores – terão que ser preparados para ser amestradores, domesticadores. Mas não é essa a sua grande e nobre missão.

Ser professor era ser honrado, respeitado e amado por uma sociedade agradecida. Agora, ser professor é tornar-se vítima de chacotas, de agressões e de violências infanto-juvenis, quase sempre, aliás, ignoradas pelos pais ou aplaudidas por alguns deles. Estamos como que diante de imensas lavanderias – escolas públicas – obrigadas, agora, à lavagem de roupa suja. Mas, desde tempos imemoriais, sabe-se que “roupa suja se lava em casa”. Ou, então, que se pague alguém para fazê-lo, admitindo, porém, que crianças e adolescentes sejam moral e espiritualmente molhados, enxaguados, lavados, secados e passados. Bom dia.

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