Rua para bandidos.

Volto a ler que, em Piracicaba, os chamados “índices de criminalidade estão dentro da normalidade.” Só que, pelo menos para mim, ninguém explicou o que seja normalidade em relação a crimes. E tomando por referência qual cidade: Estocolmo ou Rio e seus morros?

Ouço dizer, ao mesmo tempo, que se retoma a iniciativa, para mim obtusa, de se propor o “fecha bar”. Ora, se índices de criminalidade são normais, algo está errado, profundamente errada. Ao mesmo tempo, ainda recentemente, uma respeitável mãe de família nos telefonou, pedindo ajuda, porque estava impedida de entrar em sua residência e de abastecer o veículo num posto de gasolina. Em plena manhã – sem ser bairro ou boteco – ruas e calçadas estavam tomadas por “bixos” embriagados e agressivos. Dois policiais militares viram, não agiram, alegando tratar-se de “patrimônio público”. Portanto, para os policiais, lugar apropriado para a baderna.

Comerciantes de alguns corredores gastronômicos cansaram-se de pedir auxílio e policiamento ostensivo às autoridades. A resposta foi sempre a mesma: “não há efetivo suficiente.” Portanto, não se fiscaliza, não se policia. Em lugar disso, policiais militares dão confortadores conselhos aos cidadãos: não usar roupas ou objetos que possam mostrar ostentação, carros importados ou de luxo, evitar aparelhos de som nos veículos, não sair à noite. A incapacidade de fiscalizar acaba por impor o confinamento das pessoas em suas casas. E o simplismo do “fecha bar” às 22h. é o toque de recolher.

Não há necessidade de profundas reflexões para se concluir seja esdrúxula e melancólica a proposta. Sem enfrentar a causa, toma-se o efeito. E, de certa forma, confessa-se a falência do poder público em seu dever e responsabilidade de fiscalizar, de obrigar ao cumprimento das leis. Fácil e cômodo para a Polícia, mas ofensivo aos cidadãos decentes tornados prisioneiros em suas próprias casas, trancados nelas, aconselhados a não usufruir de seus bens, a não gozar do fruto de seu trabalho – pois podem despertar a atenção dos bandidos. Que, depois das 22h., terão mais liberdade para traficar, explorar a prostituição, assaltar. Aliás, que grande traficante de drogas freqüenta o Bar do Zé, o Bar do Chico?

Ora, ninguém está contra medidas preventivas ou repressivas. Pelo contrário, a luta é para o poder público agir. Mas com um mínimo de racionalidade e o máximo de respeito para com o povo. Há propostas nascidas das mais retas intenções, mas que embutem uma injusta punição ao povo que paga impostos, às pessoas decentes. Não é o povo que tem que ficar em casa, mas bandidos que precisam ser expulsos das ruas. Ou essa falência, de forma indireta, é sugestão para a população pensar em milícias particulares?

Bares e restaurantes não são antro de bandidos. Estes se instalam onde não há regras nem fiscalização. Em bares e restaurantes, a humanidade viu nascer obras primas: de Proust, em Paris; de Joyce, em Dublin; de Hemingway, em Havana; de Yeats, em Londres; pinturas e música no “Quartier Latin”. Em Pigalle, ficaram os artistas, expulsaram-se os malandros. Em Piracicaba, em mesas de bar os Dutra pintaram sua arte, escritores escreveram livros, poetas poetaram, seresteiros cantaram, compositores criaram melodias imortais. O hino “Piracicaba”, Newton de Mello criou-o, tomando cerveja em bar.

Antes, expulsavam-se os bandidos para a cidade viver. Hoje, expulsa-se a cidade, para bandido ficar em paz. Isso lembra o médico que, não sabendo curar a dor de cabeça do paciente, cortou-lhe o pescoço. Bom dia.

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