Ruas sem alma
Sinto-me com liberdade para algumas brincadeiras com o João Chaddad, cujo pai, Manoel, foi meu padrinho de batismo. Chaddad, mais do que amigo, é parte de uma história. Muitas vezes escrevi, embora hoje não mais o faça: João Chaddad era meu ídolo. Nos últimos tempos, porém, permanece o respeito, mas lá se foi água abaixo a admiração na esfera política, que esta esculhamba tudo. E todos.
Para mim, acredito João Chaddad tenha obsessão por automóveis, como se, quando criança, não tivesse brincado com carrinhos de rolemãs, com enquadrados de madeira que corriam sobre patinetes. Para João Chaddad – e isso vem de longe, pois ele está na administração pública desde os tempos de Luciano Guidotti, lá se vão mais de 50 anos – o importante não parece ser o povo, o transeunte, as calçadas, mas ruas e avenidas por onde passam carros. Seria formidável se se tratasse – como ocorre em todo o mundo civilizado – um impulso ao transporte coletivo. Mas, em Piracicaba, tudo é feito em favor de automóveis que, quase sempre, transportam uma única pessoa. Para atendê-los, diminuem-se calçadas, abrem-se mais avenidas e viadutos, anulam-se calçadões como se fez na Praça José Bonifácio. Aliás, além dos bancos, quem foi o beneficiário da abertura das calçadas em favor dos automóveis. E tudo aconteceu, significativamente, após um grande banco instalar-se no velho edifício dos Galezzi, na rua Prudente de Moraes. Mas deixemos pra lá.
Ora, fiz a opção pelo recolhimento. Mas, quase anônimo, saio por aí para ver minha terra, essa paixão que assumo já ter-se tornado doentia. Que cidade estamos construindo? Para quem? Ou cidades não são mais lugares para viver, para criar filhos, amar, educar, trabalhar? Sinto nada mais a ter com isso, pois o melhor desses mundos eu o preservo em meu canto pessoal, com família, meus livros, minhas plantas, uma história e uma geografia.
Vejo a Rua Governador, o esforço para revitalizá-la, o pensamento das obras públicas voltado para o modelo da Oscar Freire. É louvável. Mas estão, apenas, trocando a roupagem, enfeitando o corpo. A Rua Governador foi, como outros centros comerciais, a alma da cidade, lugar de compras mas também de encontros, de passeios, de lazer. Essa alma da Governador está esquecida. Por isso, por mais que se lhe enfeite o corpo, haverá o vazio que se acentua nas noites em que aquela rua se mostra abandonada, tomada por travestis, por prostitutas, por drogados. De dia, rua comercial; à noite, como que um prostíbulo.
O centro de Piracicaba, não apenas a Governador, está sem alma, espaço que se tornou reservado, durante o dia, a bancos, estabelecimentos comerciais, sendo esvaziado à noite ou entregue a grupos de marginais. Sem cafés, sorveterias, restaurantes, comércio noturno, tudo o que se faça será apenas uma roupagem para encobrir o vazio. Fazê-lo é necessário, tentá-lo é preciso. Mas há que se fazer e tentar a partir da alma de uma cidade, não apenas como enfeite para se consumir e descartar. Enquanto não se privilegiar as pessoas, colocando-as como centro da ação e não os veículos, tudo não passará de paliativo ou de equívoco proposital. A velha Governador morreu, como irá morrer uma cidade se não se atentar para as nossas raízes. Um povo sem raízes não passa de um aglomerado de pessoas. A Rua Governador é, apenas, um espaço de passagem. Que pena! Bom dia.