Sábios, tititi, nhenhenhém

Quase todos os dias, pela manhã, peço a Deus me aguce o senso de ridículo. Já me vou dando o tempo de desacelerar, de recolher-me a meu canto, aguardando a graça de, na velhice, merecer o momento mágico da sabedoria. Pois, sobram duas saídas ao homem idoso: o ridículo ou a sabedoria. Peço a Deus me dê um pouco da última. E que os queridos me interditem se a ridicularia for meu destino.

Tribos africanas há que conduzem os seus velhos ao alto de montanhas para, próximos a nuvens, eles olharem com mais intimidade os céus. Os moços acreditam que os deuses, no silêncio das alturas, revelam segredos e desvendam mistérios para os idosos. Então, os anciãos são alimentados e cuidados pelos mais jovens, a quase certeza de que, quando procurados, velhos sábios tenham coisas a dizer, a revelar. A velhice mágica reveste-se desse silêncio: sábios falam apenas quando solicitados.

Penso nisso não apenas por mim, por medo do ridículo, nessa minha provada falta de sabedoria que ainda me impele a escrever. Penso nisso por causa, também, de Fernando Henrique Cardoso. Ele me intriga. Nele, há como que um testemunho doloroso: cultura não é sabedoria. Idade, também não. E homens idosos e cultos, mas sem sabedoria, beiram o ridículo. Precisariam de alguém para contê-los, para evitar sejam desrespeitados e que passem por tolos. José Sarney é o mais patético testemunho disso.

Ora, Fernando Henrique está próximo dos 80 anos. Deve estar. Pois pessoas sem sabedoria gostam de ocultar a idade, como se a idade não fosse uma vitória, a soma, a conquista, o alcance de um patamar. Após os 70 anos, um homem, penso eu, não deveria mais ter ambições de cargos políticos, de candidaturas, nem mesmo a de síndico de onde mora. É a hora da reflexão, da contemplação, de estar disponível, no alto da montanha, para ser procurado, dizer do que ouviu dos deuses, do que a vida ensinou. E, no entanto, Fernando Henrique insiste em liderar partido, em organizar candidaturas, em manter o controle da máquina partidária. A vaidade enlouquece.

Os gregos tinham os seus conselhos de anciãos, de sábios. A democracia sonhada era a de um espaço onde o homem e a comunidade social travassem a grande comunhão na filosofia. Governantes seriam filósofos a serviço do povo, sendo inconcebíveis um Estado alheio ao espírito e um espírito alheio ao Estado. Havia como que uma trindade grega no comando da nação: o poeta, o sábio, o político. Fernando Henrique, José Sarney, entre outros, podiam ser parte desse conselho de anciãos. Mas ainda querem o palco.

Quando contrariado na presidência da República, Fernando Henrique dizia que seus opositores faziam nhenhenhém. Até pode ser. Mas, agora, ele também está fazendo. Pois um estadista, quando deixa o governo, cala-se. Recentemente, foi lembrado o que Bill Clinton respondeu ao lhe perguntarem sobre a política de seu sucessor, George Bush: “Sou um ex-presidente dos Estados Unidos. Um ex-presidente não fala.”

No Brasil, é diferente: ex-presidentes falam, candidatam-se a cargos menores, atrapalham, aguçam seus apetites insaciáveis. E ex-ministros se tornam banqueiros, assessores de financistas, auxiliares de multinacionais. Esperava-se, de Fernando Henrique, que ele mantivesse, fora do governo, talvez aquele silêncio sapiencial de Getúlio Vargas, quando se refugiou em São Borja, de onde retornou, carregado pelo povo. Fernando Henrique preferiu o palco. Na velhice, parece preferir o ridículo. Quase ao mesmo nível de José Sarney.

Sábio não faz nhenhenhém. Nem tititi. Ou zunzunzum. Apenas silencia. Bom dia.

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