Saudade de Castello Branco

picture (1)Pois é. O mundo dá voltas. Quando, em minha vida, poderia eu imaginar-me com saudade do presidente Humberto de Alencar Castello Branco, o então Marechal Castello Branco, um dos líderes do golpe militar de 1964? Pois aconteceu: se não tenho saudade da revolução, confesso sentir a falta, profunda falta, de alguém com a autoridade moral e cívica de Castello Branco. Quem diria, justamente eu que, por escrito um artigo de protesto contra ele, me tornei talvez o primeiro jornalista do Interior a ser processado pela Justiça Militar, como ameaça à Lei de Segurança Nacional?

O título do artigo que quase me levou para os subterrâneos da ditadura, então ainda suave sob a direção do primeiro governante do ciclo militar: “O Marechal da banda de lá.” Na verdade, o título era outro e mais simples, ainda que inteiramente provocativo: “O Marechal da Banda”, quase que uma paródia da música carnavalesca, “O General da Banda”. Fui salvo pela prudência de meu inesquecível amigo Antônio Perecin, quando colegas da faculdade de administração, futura UNIMEP, já em pleno funcionamento. Perecin, como amigo, não me permitia enviar o artigo, com aquele título, para as oficinas da velha “Folha de Piracicaba”, de quem eu era diretor, na minha juventude revolucionária daqueles anos 1960.

Acabei concordando, cedendo e acrescentei o “de lá”. Foi o que me salvou, pois, após verdadeiro escândalo nacional – um jovem jornalista desconhecido de Piracicaba, ora vejam, preocupando os militares! – a Justiça Militar, apoiada no “de lá”, considerou aquele Marechal da Banda assunto para a Justiça comum. Aconteceu e, depois de alguns anos, fui absolvido. Mas já se desencadeara todo um processo de ira de militares e de políticos que, por fim, se transformaram em medalhas que carreguei pela vida. Há gente graúda na política municipal que, em 1964, devia estar brincando de mocinho nas ruas da cidade, sem saber o que acontecia entre os adultos. Depois, os adultos envelheceram, a revolução falhou, a democracia foi restaurada, também ela falhou, está falhando e, para muitos, despertando nostalgias perigosas do passado. Aliás, no rol dos grandes corruptos brasileiros, quais deles já eram adultos àqueles anos?

Jamais aceitaria conviver com outra ditadura. No entanto, não suporto mais coexistir com tanta bandalheira política e com tanta corrupção sempre impune e cada vez mais crescente. O tecido político nacional está inteiramente corrompido por um vírus difícil de matar apenas com os instrumentos democráticos que temos. Não há democracia sem estruturas políticas decentes, honestas e responsáveis. Não as temos e, portanto, vivemos arremedos e farsas democráticas.

Estou, neste 31 de março de 2009 – 45 anos depois daquele 31 de março de 1964 – com saudade verdadeira, sim, da personalidade, da honestidade, da autoridade moral do Presidente Castello Branco. Foi a derrota dele para a chamada “linha dura” do Exército que lançou o Brasil na noite negra da ditadura total, completa, quando tudo desandou. Quem viveu aquele tempo e for realmente honesto, por mais diferenças ideológicas tivessem existido, haverá de reconhecer e admitir que Castello Branco impôs uma nova ordem moral e política ao Brasil, um militar com visão civilista de mundo. Agora, porém, Inês é morta. A ditadura fracassou, a democracia que a substituiu é uma farsa, uma ação entre amigos da corrupção. Ditadura, nunca mais. Mas um Estado forte, sim. E Castello Branco deixou uma herança de altivez moral que não pode ser esquecida, a menos que continuemos tolos ou queiramos continuar fingindo que conivência e covardia são fundamentos da democracia. Bom dia.

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