Saudade de Pasárgada

Não consigo entender como aquilo tudo acabou dentro de mim. Nem como permiti se me escapasse. Aliás, ainda hoje, vejo-me perguntando se acabou mesmo ou se continua oculto em algum escaninho do coração.Eu a chamava de Pasárgada, a minha Pasárgada, lá onde – como no poema de Bandeira – eu era “amigo do rei”. Pelo menos uma vez por mês, lá me ia eu embora para Pasárgada, onde a vida se transformava e o bem reluzia, a Pasárgada que me fazia sentir a plenitude do humano, cercado e rodeado de humanos. Em Pasárgada – na minha Pasárgada – os homens voltavam a ser crianças e – por incrível possa parecer! – dançavam de mãos dadas, cantavam a plenos pulmões, oravam com lágrimas nos olhos e a razão era absorvida pelo coração.

Pasárgada, era assim que eu chamava o Seminário Diocesano, na Nova Suiça, onde se realizavam os Cursillhos de Cristandade. Emociono-me ao me lembrar. E sinto saudade, saudade intensa. Quem em nada acreditava acaba por acreditar em algo. As pessoas banhavam-se em corredeiras de graças. Apalpava-se o divino com as mãos e, cada instante, viam-se milagres, transformações radicais, como se o mal tivesse sido banido do mundo. Pasárgada era um espaço de esperança. E, também, da descoberta do real que se oculta sob a crosta de materialismo do ser humano nestes últimos séculos de suicídio coletivo.

Em Pasárgada, os homens serviam uns aos outros. Sem nada pedir, sem nada querer, sem nada pedir em troca. O empresário biliardário limpava banheiros; o reitor da universidade ficava no fogão; o engenheiro e o médico arrumavam camas; o operário falava, dando lições de sabedoria. Todos estavam juntos, comiam juntos, oravam juntos. Foi onde e quando descobri a fraternidade ser possível, algo mais simples e verdadeiro do que processos políticos, sistemas filosóficos. E, por ver comunidades fraternas se formando a partir de desejos comuns, perdi o direito à descrença e à desesperança. Em Pasárgada, encontrei a Utopia. Mas eu a deixei, muitos a deixaram. E ela, se não morreu, continua à espera de quem a reavive, como raiz de árvore sedenta de água para brotar.

Manoel Bandeira, em seu poema imortal – o coração doído, a saudade pungente – desabafa, ao final: “E quando eu estiver mais triste/Mas triste de não ter jeito/Quando de noite me der/Vontade de me matar/ — Lá sou amigo do rei —/ Terei a mulher que eu quero/Na cama que escolherei/Vou-me embora pra Pasárgada.”

Era o que eu fazia. Agora, a vontade é de reencontrar. Bom dia.

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