“Se esta rua fosse minha…” (1)
Claro que, se todas as ruas fossem minhas, “eu mandava, eu mandava ladrilhar. Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante. Só pra ver, só pra ver meu bem passar.” E se pelo menos uma delas fosse minha, eu mostraria que “nessa rua, nessa rua tem um bosque que se chama, que se chama solidão.” E “dentro dele, dentro dele mora um anjo, que roubou, que roubou meu coração.”
Na realidade, se apenas uma rua fosse minha, eu impediria houvesse, nela, horrores, violência, agressões, ruídos, calçadas estragadas, lixo, abandono, toda sorte dessa maldição conhecida por poluição sonora, visual, ambiental. Se, por exemplo, a Rua Governador Pedro de Toledo – que foi o coração e o umbigo de Piracicaba – fosse minha, eu começaria por punir comerciantes que a desrespeitam com grosserias visuais, com a loucura de altifalantes desrespeitosos e ensurdecedores. E a primeira a ser punida, pela minha indignação estética, seria a Charm Cosméticos, ali, bem na esquina com a rua XV de Novembro. O escândalo de outdoors de péssimo gosto esconde uma das fachadas mais belas do centro da cidade, um casarão construído em 1926, obra de arte, exemplo de beleza soterrada. A Charm roubou o verdadeiro charme daquela esquina, matando o belo não se sabe a troco de quê.
Se a rua Governador fosse minha, eu determinaria que comerciantes colocassem música ambiente em suas lojas – doçuras de Bach, de Mozart – para refrigerar as almas das pessoas que caminham aturdidas, como manada sem controle. Haveria floreiras nas calçadas, caixas de som com música serena e pacificadora. E bandos de moços e moças, de velhinhos, tocando flauta, violino, violão, fazendo mágica, vestidos de palhaços para, sorridentes e ingênuos, convocarem as pessoas ao riso, ao belo, ao bom. E seriam distribuídas flores aos passantes, florezinhas silvestres, dessas que nascem espontaneamente desde que o ser humano permita a obra imortal da criação.
Fosse minha, a rua Governador, ela seria, lá dos altos da Paulista até a Regente Feijó, um ponto de convergência de pessoas em busca de cordialidade, de humanismo, de fraternidade. Os automóveis seriam dispensáveis, ficando em segundo plano nas ruas transversais e, assim, o povo poderia circular a pé e em paz, carregando suas sacolas de frutas, de compras. E, fosse minha, a rua Governador teria um bonde que subiria e desceria, apenas isso, levando e trazendo pessoas, fazendo blém, blém, dim, dom, com motorneiro de quepe cáqui e sorrisos nos lábios, com cobradores que ajudariam velhinhos e crianças a subir no estribo. Pensando bem, talvez eu colocasse, também, na rua Governador, charretes com cavalinhos mansos, que levassem de volta as pessoas até os locais de seus automóveis ou dos pontos de ônibus. Andar de charrete seria delícia das crianças, alegria dos adultos.
Mas eu começaria, mesmo, pela Charm Cosméticos, mostrando para eles uma pintura de Van Gogh, de Monet, na esperança de – quem sabe? – eles se inspirarem na beleza e não mais no grotesco e no feio para chamar a atenção de consumidores. Os que, até aqui, apostaram no horror, na agressividade, nos berros, na feiúra – estes já estão perdendo. A beleza restaura, o belo alimenta e suaviza, a civilidade apascenta. Apostar no belo é ir ao encontro da redenção. Eu começaria pela Rua Governador, se esta rua fosse minha… Bom dia.