“Se esta rua fosse minha…” (2)
No centro de Piracicaba – de maneira especial – os nomes das ruas contam nossa história, origens e transformações, como que regisgtrando a formação da cultura e do espírito de nossa gente. Lá se foram, é verdade, nomes poéticos: rua da Praia, rua Direita, dos Pescadores, da Boa Esperança. Mas, na área central, firmaram-se nomes que, na realidade, contam a influência secular do Império, da Igreja e da República na alma piracicabana. É um quadrilátero que vale por um grande compêndio histórico.
Senão, vejamos:
1-Reminiscências do Império: ruas Ipiranga, D.Pedro I, D.Pedro II, Riachuelo, Regente Feijó, Alferes José Caetano, do Vergueiro, Tiradentes, 13 de maio, Voluntários de Piracicaba, em honra aos nossos heróis da Guerra do Paraguai.
2- Ruas da República: 15 de Novembro, Moraes Barros, Prudente de Moraes, Floriano Peixoto, Marechal Deodoro, Rangel Pestana, e as em homenagem à revolução de 1932, Governador Pedro de Toledo e Armando de Salles Oliveira.
3- Ruas que marcam a presença da Igreja Católica: do Rosário, Santo Antônio, São José e a rua Boa Morte, que também foi chamada Rua do Miguelzinho. Pois, se esta rua, a Boa Morte, fosse minha, eu criaria uma lei do silêncio respeitoso e reverencial para quem por ela transitasse, a rua dos mais sagrados sentimentos da alma piracicabana. É a rua onde Miguelzinho construiu a Igreja da Boa Morte, onde houve um cemitério, onde se criou o primeiro museu do Brasil, o de ornitologia, mantido pelo próprio Miguelzinho Dutra.
É uma rua sagrada, onde os fantasmas de nossa história parecem cada vez mais vivos. Nos altos, a Igreja Nossa Senhora d´Assunção, a do Miguelzinho, com o colégio que formou gerações e gerações de moços e moças piracicabanos. Quase ao início, o Colégio Piracicabano, sonho vívido e tornado real de Martha Watts, também formador de nossos antepassados. E os ecos, ainda agora, do bonde que ia e voltava, levando e trazendo estudantes, trabalhadores, homens e mulheres. Rua onde nasceu o controvertido Adhemar de Barros, político polêmico, governador de São Paulo, um dos mais influentes homens públicos do Brasil. Rua das procissões, dos desfiles cívicos, das multidões que iam aguardar a chegada do trem que trazia personalidades, governadores, autoridades. E que levava parentes, filhos, na saudade de quem parte, na alegria de quem volta. Rua das belas casas, imponentes, de estética refinada. Rua da Matriz de Santo Antônio, da Catedral, cujos sinos bimbalhavam para anunciar aleluias ou para gemer tristezas.
A Rua Boa Morte não é minha. Mas nela nasci, na esquina da Moraes Barros, onde está um banco, dando frente à Igreja Matriz. Rua por onde, todas as tardes, Nhô Lica passava com suas pedras preciosas. Rua onde ficávamos, crianças e adultos, alegres, vendo a banda passar. A rua Boa Morte, pois, não é minha, mas, se fosse, eu iria exigir que veículos passassem lentamente, que se fizesse silêncio reverencial, que se ouvissem falas e risos de nossos pais e avós, que foram educados e formados pelas escolas centenárias que transformaram aquela rua numa Acrópole de nossa história.
Se a Rua Boa Morte fosse minha, eu colocaria uma placa logo ao início dela, pedindo, ao passante: “Silêncio. Você está entrando num templo.” E à saída dela, outra placa: “Renda graças. Você esteve num lugar sagrado.” Bom dia.