Sem meus fantasmas

O que acontece quando alguém resolve que viverá de escrever e, de repente, tudo some da cabeça? Acontece o pânico. De início, não se quer aceitar.

Foi o que aconteceu comigo uma vez, ainda antes do computador, tempos da máquina de escrever. Escrevi as primeiras linhas, amassei a folha de papel. Voltei a escrever, repeti o gesto de amassar. Teimei. Então, dei-me consciência de que eu nada mais estava fazendo senão amassar folhas de papel, jogando-as no cesto do lixo. Saí do escritório, tomei outro cafezinho, acendi mais um cigarro – pois eu ainda era fumante – fiquei andando pelo jardim. As coisas, tão íntimas minhas, pareciam, no entanto, não dizer-me respeito. Eu as olhava mas não as enxergava. Eu as via, apenas. E não me falavam nada.

É simplesmente absurdo, diante de tantas coisas acontecendo no mundo e ao redor de mim próprio, não haver um único assunto que me motivasse. Mas não era isso o pior. O pior estava em trabalhos que eu tinha sobre minha mesa, assuntos definidos, com prazo de entrega – e eu não sabendo o que fazer deles. Percebi o colapso fiquei em dúvida: chícara ou xícara? A dúvida me trouxe outra: se era xícara ou chícara, seria chácara ou xácara? E xará? Xará ou chará? Ora, há chá e xá… Seria Chá da Pérsia e xá de camomila? Balancei a cabeça, querendo limpá-la.

Não adiantou nada. As folhas continuavam em branco e não havia uma palavra, uma sequer, que eu conseguisse articular. “E se eu nunca mais conseguir escrever?” pensei comigo mesmo, angustiadamente. Então, veio o pânico. Pois descobri a minha absoluta inutilidade para fazer qualquer outra coisa. Acendi outro cigarro, tentando acalmar-me. E, de, repente, estar sozinho me fez mal. Entrei no automóvel, saí. Mas estar na rua também me fez mal. Fiquei parado na curva do rio, olhando o salto. O filete de água, triste e humilhado, também me fez mal.

Entrei no Engenho, falei com pessoas amigas, na verdade não falei nada, fui andar sozinho por dentro daqueles barracões com tantos fantasmas. Então, descobri! Estou sem fantasmas, eis aí o problema! Fiz os cálculos: estava escrevendo na época para três jornais, acompanhando um livro que estava no prelo, trabalhando em outros dois romances – eram cerca de 80 a 100 laudas por semana!

Ora, todos os meus fantasmas devem ter escapado de dentro de mim, devem ter fugido, desaparecido, desertado. E nenhum jornalista ou escritor do mundo consegue escrever se não tiver seus fantasmas! Foi minha salvação. Bom dia.

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