Ser cigarra ou formiga.

Aquela velha história da cigarra e da formiga é muito mais séria do que se pensa. Lembram-se? Da cigarra que ficava cantando durante todo o verão, enquanto a formiguinha trabalhava. Depois, chegou o inverno, a cigarra morreu de frio e a formiguinha ficou no bem-bom, agasalhada, porque tinha produzido a vida toda e, assim, poderia morrer sossegada em paz. De tanto que se colocam coisas na cabecinha das crianças, as marcas ficam.

O resultado é que se vai perdendo o sentido da vida ou tendo-o de maneira deformada. Acabamos aprendendo que viver é trabalhar, produzir, o tal “vale de lágrimas”. E isso não é verdadeiro. Mas fica nas pessoas.

Digo-o por mim. Porque, certa vez, fiquei alguns dias sem ter o que fazer, todos aqueles feriados, misturados com dias chamados úteis, mas, na verdade inúteis. Seriam dias para descansar, para relaxar, sem preocupação. Foi à toa que decidi morar longe da cidade, do corre-corre? Pois é, de repente me vi com todo o tempo disponível, com horas vadias, preguiçosas, com dias inteiros sob o meu exclusivo controle. E não consegui. Ficava-me a sensação de inutilidade, de ócio sem dignidade. Ora, eu tinha todo tempo que quisesse para ler, ouvir música, ficar estirado ao sol. Até mesmo para dormir à vontade. No entanto, havia como que um sentimento de culpa, de não ter o que fazer, de não produzir, de não trabalhar.

Esse é o “complexo da formiguinha”, odioso, mas real, que nos impede de viver a plenitude das cigarras, essas sábias que entendem o verdadeiro sentido da vida. Afinal, o que é viver senão ficar por aí, cantando, amando, deixando a vida correr sem filosofias e sem ideologias, sem muito pensar, sem se preocupar?

As cigarras estão certas, errados estamos nós, “homens formigas”.

Foi então que me lembrei do poema imenso e sábio de Luiz Borges: “se um pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Ao tentaria ser perfeito, relaxaria mais. Seria mais tolo (…) Eu fui dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da as vida (…) Mas, se eu pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos (…)”.

Fiz então meu juramento, no final de 1993: ser cigarra na vida.

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