Seria, Deus, fascista?

Sei lá se assim é em todo o mundo. Mas, no Brasil, a ideia de Deus é tão sólida que o pobre coitado, Deus, serve para tudo. Com exceção do “Deus lhe pague”, que desapareceu, há Deus escapando de todas as bocas: “graças a Deus”, “pelo amor de Deus”, “vá com Deus”, “Deus te ajude”, “tomara Deus”, “Deus me livre” – e assim vai.

Até recentemente, tive profunda curiosidade para descobrir para que time, no futebol, Deus torcia ou a qual favorecia. Eu via, por exemplo, num jogo entre Palmeiras e Corinthians, “os atletas de Cristo” erguendo o dedo para os céus ou persignando-se e me ficava a dúvida: caramba, se Palmeiras marcava um gol, isso era obra de Deus; se fosse o Corinthians, também lá estava Deus, operando. Das duas uma, pensava eu: ou Deus é de tal forma generoso que deseja que todo jogo termine em empate, ou é um grande fazedor de média que fica em cima do muro.

Até hoje, tenho, cá comigo, minhas dúvidas quanto à presença de Deus no futebol. Mas isso é o que menos importa. Pois o meu grande receio é que os fascistas e amantes de ditaduras pérfidas realmente acreditem que Deus seja, também, fascista de carteirinha. Essa última marchinha de um grupinho de tolos – tão insignificante que caiu no ridículo – invocou Deus, novamente, para, em nome dele, pedir a volta da tirania. São os netinhos das “viúvas de 1964”, com profunda fé na farsante “Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade.”

É uma estupidez marchar pelo que deixou de existir. Liberdade ainda há, apesar de relativa. Mas Deus e família, onde é mesmo que foram parar? A fé, como se sabe, quase sempre não tem explicações. E quando se trata de fé de ignorantes e de estúpidos inspira apenas compaixão. Ou raiva, pelo que se esconde por trás dela. Esse pessoalzinho está querendo, pura e simplesmente, o retorno da ditadura. E a estupidez está em desejarem de volta aquilo que não conheceram. Deveriam exorcizar os fantasmas dela, não, irresponsavelmente, querer a repetição da tragédia.

Historicamente, aborreço-me com uma pergunta para a qual ainda não tenho resposta: “Seria, Deus, fascista?” Vejam bem: nos 1930, Plínio Salgado criou, no Brasil, a forma brasileira do nazi-fascismo, à qual deu nome de “Integralismo”. Apaixonou e seduziu multidões que passaram a usar camisas verdes, razão pela qual seus adeptos se tornaram ser conhecidos como “galinhas verdes”. O sonho de Plínio Salgado – faça-se justiça à sua inteligência, cultura e integridade – era copiar o modelo de Mussolini, da Itália, e de Hitler, da Alemanha. Além, os de Salazar(Portugal) e Franco(Espanha). Era o auge dos governos ditatoriais no mundo. E o lema de Plínio Salgado e dos “galinhas verdes” também invocava os céus: “Deus, Pátria e Família”. Portanto, um Deus nazi-fascista. Deu em ditadura. A de Getúlio e, na Argentina, a de Perón.

Depois, com as bênçãos da CIA – que trouxera o famigerado Padre Pactrick, dos EUA, para dar motivação religiosa ao golpe – aconteceram, no Brasil, as Marchas da Família com Deus pela Liberdade. E o rei da corrupção política no país comandava-a: Adhemar de Barros, o do “rouba mas faz”, que marchou com um terço nas mãos e ao lado de sua mulher, a realmente valorosa e íntegra Leonor de Barros. Que marcha, liderada por Adhemar de Barros, poderia ser levada a sério? Mas foi. E deu em ditadura.

O curioso é que o Papa Francisco tem sido chamado – por essa mesma gente e seus semelhantes – de subversivo e marxista. A confusão está, pois, armada nos céus: de que lado ficará Deus? De um papa chamado de marxista, ou dos piedosos e angelicais marchadores fascistas? Quem viver verá. Bom dia.

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