Sociedades sem pais

Sociedade sem paisO que e como é ser pai hoje? E por que se comemora um “Dia dos Pais” se, de maneira aterradora, já mal se sabe qual o papel do homem na era do individualismo enlouquecido, anárquico? Ninguém mais nega a “crise do masculino” que tem origens diversas e já antigas. Inevitavelmente, ela produziu, também, a “crise da paternidade”. E acertou o pensador Mitscherlich quando previu o surgimento da “sociedade sem pais”. Estamos nela.

Quando – talvez até como último recurso – começamos a definir o pai como amigo, já tínhamos, mesmo inconscientemente, a percepção da perda da autoridade paterna. Desmoronava-se a antiga e milenar condição do pai como “juiz, condutor, professor, orientador, provedor”. Ele já se tornara a figura castradora que impedia a emancipação do filho, a sua autonomia. “Matar o próprio pai” foi uma das simbologias que, especialmente nas áreas psicológicas, adquiriram foros de verdade absoluta. E a sociedade de massas, o liberalismo econômico, a vitória do capitalismo fizeram por exigir a ausência dessa figura que detinha o poder: pais de família, pais da pátria, pais da sabedoria, pais do conhecimento. Até a ideia de Deus foi abalada. E, se nem mesmo a existência de um Deus foi aceita, por que haveria de se manter a imagem de um pai que, na realidade, sendo o chefe da família, tanto se parecia como “o deus” dela?

A feminilização do homem levou à inevitável feminilização do pai. De algoz, de juiz, de autoridade máxima, ele se transformou numa figura frágil e indefinida, por mais amargo isso possa parecer. A mulher nunca foi contestada como mãe e mesmo como mulher. O homem, desde a sua infância, foi é obrigado a provar ser homem, aquele que assumia a figura do herói, do guerreiro, do forte, do lutador. E, no entanto, filho de mulher, o homem nunca se desvincula do cordão umbilical, mesmo quando já o considera rompido. A mãe estará sempre presente em sua vida. Enquanto, o pai será alguém a ser enfrentado ou o ausente.

O menino anseia, na infância, por ser igual ao pai. E para vir a ser pai. Mas, se não tem referencial, que homem e que pai chegará a ser? Aceitar o papel e a condição de ser apenas “amigo do filho” significa não ser nada. Ainda hoje – ou especialmente hoje, na desordem espiritual e moral – pai é pai. Amigo é um outro. Mas como ser pai, se a gravíssima questão está na perda da autoridade de uma forma geral? Professores, reis, chefes, dirigentes, generais, líderes não mais têm qualquer autoridade. Como o pai haveria, então, de continuar tendo-a, se ele era considerado e tido como o chefe de sua família?  O pai era e deveria continuar sendo o cacique e o pajé  de sua tribo de índios. O que será das tribos e dos índios sem o cacique, sem o pajé? Será apenas mais uma “sociedade sem pais”, como o mundo se tornou uma sociedade de massas sem Deus ou  deuses.

Na realidade, o castrador – como pretenderam pejorativamente qualificá-lo – foi castrado. No entanto, a sua imagem permanece viva – ainda que oculta ou esquecida – na alma dos filhos. Eles – mesmo quando precisam se libertar do pai ou quando já o ignoram desde a tenra infância – precisam do pai, querem o pai. É o processo de regeneração, de vida e morte. O pai gera e o filho quer gerar. Mas, para gerar, tem que se libertar do pai. Apenas, então, quando a idade adulta chega, pai e filho – se tiverem sorte – poderão se entender, amando-se madura e verdadeiramente.

Feminilizar o homem é matar o pai na família. E, por mais profundas tenham sido e estejam sendo as transformações em todas as área, a mãe não conseguirá desempenhar o papel do pai. Especialmente porque, agora, o pai parece não ter mais papel algum. Mas tem. E é preponderante. O mundo dos descartáveis quer descartar o pai, nesta “sociedade sem pais”. Parece estar conseguindo-o. Mas apenas parece. Pois, pai é pai. E, se estiver ausente, algum dia ele aparecerá – na alma dos filhos – com sua força total. Um pai não é um amigo. Mas tem que ser pai amigo.

A confusão ainda é total. E somente será superada quando a ordem natural da vida, com sua hierarquia também natural, for restabelecida em novas formas e realidades. Quem tiver a sorte de viver verá. Bom dia.

1 comentário

  1. Wladir Santos em 10/08/2013 às 10:39

    Excelente, como sempre, seu texto Grande Cecilio. Só para complementar essa queda livre do Pai como chefe de uma família, sobre o qual surgem as inspirações primeiras dos filhos, torna-se necessário citar aqui, uma "providência legal" (que também nunca cumpri quando estava dirigindo a escola pública da qual fui Diretor por quase quarenta anos). Veja o absurdo: a título de proteger crianças tidas fora o casamento ou da impressão de terem tido Pai desconhecido, o Governo lançou uma obrigatoriedade completamente desastrosa. Nos documentos dos alunos, nas fichas escolares, nos Certificados, etc. ficaram PROIBIDOS os lançamentos da filiação paterna !!! Vale dizer, as crianças passaram a ter apenas a mãe, figurando NINGUÉM como sendo o Pai. Sobre isso escrevi um artigo num jornal citando que essa providência de extremado descuido com a personalidade dos jovens, na verdade sugeria que as mulheres teriam tido relações com qualquer pessoa, ficando a parte masculina no anonimato. Foram inúmeras as manifestações a favor do que eu afirmava, como algumas tímidas eram a favor da providência governamental. Isso levou-me a MANTER a ordem anterior, apenas submetendo a opção para os próprios alunos decidirem se queriam -ou não- o nome dos Pais nos documentos. Eu me recusaria, se aluno fosse, a receber um documento qualquer de uma escola, onde o nome do meu Pai não constasse… Um grande abraço deste seu amigo. Prof. Wladir dos Santos.

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