Sumiço dos “grandes homens”

A tragédia é universal e tem sido detectada, amargamente, por pensadores, analistas, observadores: o mundo assiste ao final das eras dos “grandes homens”. E, em todas as áreas da atividade humana: nas artes, na política, na ciência, na religião, na vida pública, na cátedra e no magistério, também nas universidades e até mesmo na justiça. É como se generosas gerações de grandes homens se tivessem esgotado, deixando vazios impreeenchidos, vácuos atemorizantes.

Isso ocorre em todos os países e, também, nas cidades. Na Europa, não há mais ninguém com a dimensão universal de Winston Churchill, na chefia do Reino Unido; de um Charles De Gaulle, na França; de um De Gaspari, na Itália. Nos Estados Unidos, a mediocridade de um George W.Busch confirma vazios deixados pelos Roosevelts (Theodore e Franklin), até mesmo pelos controvertidos Kennedy, John e Bob. O Vaticano parece ser a resistência à mediocrização humana, quando se apresenta ao mundo com figuras como João Paulo II e o atual Bento XVI.

Até no mundo dos espetáculos, os “grandes homens” (grandes estrelas, grandes mulheres, grandes nomes) foram substituídos pelos que vivem o seu direito a “ter 15 minutos de fama”, como prognosticara Andy Wharrol. A mediocridade é alarmante, o brilhantismo é epidérmico, o talento se faz escasso. Não houve substitutos, ainda, para um Frank Sinatra, para uma Sarah Vaughn, e o próprio mundo da ópera sabe que não surgiram outros Pavarottis, Plácidos Domingos, José Carreras. No Brasil, ainda se reverenciam Chico Buarque, Caetano Veloso, Roberto Carlos, que não tiveram substitutos. E veja-se na própria televisão, figuras como que mumificadas de Hebe Camargo, Silvio Santos, mantendo-se grandes por falta de sucessores. Nos esportes, prevalece a força ao virtuosismo e o último, talvez, a ser lembrado no futebol ainda seja Maradona, sucessor de ídolos imortais, como Pelé, Garrincha, Di Stefano, Puskas.

Corporações, organizações, complexos empresariais substituíram a genialidade individual e até mesmo a alma e o coração humanos. O mundo quer desalmar-se, como se pudesse viver apenas de sua mecanicidade. O assassínio premeditado da solidariedade, do altruísmo, do civismo, da religiosidade, de princípios fundamentais da vida humana – esse assassínio robotizou o mundo. Até quando? – é a pergunta que já surge como que trazendo a própria resposta: já passou a hora.

Reflito sobre essas coisas porque Piracicaba é parte do mundo, embora alguns não saibam. E aqui também já há o sumiço dos “grandes homens”, cada vez mais substituídos por anõezinhos morais e oportunistas de plantão. Fomos também uma terra de “grandes homens”, de construtores desta cidade, de paradigmas do povo, personalidades honradas que deram de si pela coletividade, que enxergaram além de seu tempo, que se preocuparam com o futuro das gerações que as sucederam. Haldumont Nobre Ferraz, o Tiquinho – e é nele que penso, nessa hora de saudade e de lágrimas – foi um desses nossos “grandes homens”, grande na sua humildade, grande na sua generosidade, grande no amor que teve por Piracicaba, pelos humildes, pelos pequeninos. A alma de Tiquinho era maior do que o mundo. E seu coração, um infinito de bondade, bondade tanta que se confundiu com inocência e ingenuidade.

Confesso agoniar-me, pois sei estar agonizante o mundo a que pertenci, o mundo desses “grandes homens” que me balizaram a existência, que me serviram de paradigma. Tiquinho era o meu mais antigo, mais velho amigo. Pois, quando nasci – na casa quase vizinha à dele – Tiquinho tinha 13 anos e, ao longo de minha infância, me acompanhou por aquelas ruas. E o reencontrei na juventude. E o vi em todas as atividades nobres e em todas as causas honradas dando de si para os outros. Tiquinho foi um homem de fé e não tenho receio de dizer que ele viveu de sua fé. Por isso, ninguém nunca ouviu, de seus lábios, uma queixa, um travo de amargura, mesmo nos tempos difíceis, e muitos, que ele conheceu.

Deixo, aqui, o adeus, mais um adeus, a um outro amigo, muito querido. Mas, em especial, a um piracicabano que faz parte da nossa fértil galeria de “grandes homens”, que escasseiam cada vez mais. Há um mundo acabando. Tiquinho vai-se com ele. (Ilustração: Araken Martins.)

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