Tempo dos “grandes homens”
Há alguns anos, o jornalista Roberto Pompeu de Toledo – em um de seus brilhantes ensaios – lamentava-se de serem findos os tempos, como ele chamou, dos “grandes homens”. Referiu-se a apenas alguns, entre centenas: Churchill, Roosevelt, De Gaulle, Einstein, Sabin, Picasso, Freud, Jung, Lorca, Neruda. Foi o século também de grandes nomes de Piracicaba, em todas as atividades humanas.
Por mais rápido seja o olhar ao mundo do século passado, descobrem-se fulgores que se não apagam. Apesar de um Hitler, de um Stalin. De todos os quadrantes, enxergou-se uma constelação que tremeluziu nos céus da literatura, da música, da pintura, de todas as artes, da ciência e da cultura, do conhecimento. Apesar das duas grandes guerras mundiais – ou por causa delas – saímos do carroção de boi para chegar à Lua; da caneta tinteiro ao computador; do caderno à internet. Vivemos o final da “belle époque”, tivemos gerações tidas como loucas, perdidas, vivemos grandes depressões mundiais, vimos “beats”, “hippies”, modernidade, pós-modernidade. Mas, acima de tudo, brilhantismo. Tempos – como no-lo recordou Pompeu de Toledo – de “grandes homens”, o que implica a presença vívida das “grandes mulheres”.
Também na política, em Piracicaba, tivemos homens e mulheres que se tornaram referenciais, ícones, mesmo que contestados ou discutidos a seu tempo. É imprudência citar nomes, pois, fatalmente, seriam esquecidos muitos. Mas, entre as mulheres, como não render homenagens a Branca de Azevedo, Laudelina Cotrim, Alzira Maluf, entre tantas? Dos últimos de nossos “grandes homens”, um deles, que nos deixou, foi Antônio Pacheco Ferraz. . De seus companheiros na pintura – vivendo a febre européia, a Paris da eterna festa – os então apenas rapazes piracicabanos despediram-se: Alípio Dutra, Eugênio Losso, depois deles Archimedes Dutra. E, daqueles anos exuberantes – em variadas quadras do século – ninguém sobrou para contar de seus encontros com Cartier-Bresson, Sartre, Picasso, Braque, Scott Fitzgerald, Buñuel, Cocteau – alguns entre tantos. Em alguma esquina de Paris, eles se cruzavam. Talvez, até tivessem bebido juntos absinto em algum pequeno atelier de deslumbrados e amargos pintores. Talvez. Pois, nas encruzilhadas da vida, cruza-se com pessoas sem jamais saber quem são, quem serão.
Penso nessas coisas por ter-me lembrado, ainda recentemente, de quando o então prefeito José Machado quis criar o Panteão das grandes personalidades piracicabanas, os construtores de nossa terra que se vai povoando, cada vez mais, de gente inexpressiva ocupando cargos de relevância, de artistas sem chama, de escritores sem pena, de poetas sem estro, de compositores sem música. Um Panteão de Piracicaba seria imenso, uma povoação de figuras exemplares, marcantes, inesquecíveis. Seria um parque da memória, o museu das grandes almas, o Olimpo de nossos ancestrais.
Na verdade, muitos deles estão no Cemitério da Saudade, que guarda a memória pelo menos parcial de nossa terra, uma pousada quase desconhecida pelos jovens e adolescentes. Num Panteão piracicabano, que saudade poderia dizer-se honrada de ter acolhido homens do porte dos Barões, de Serra Negra e de Rezende, de Prudente de Moraes, do Senador Moraes Barros, de Cincinato Braga, de Aquilino Pacheco, de Coriolano Ferraz, do Senador Vergueiro, de Mário Dedini, de Pedro Ometto e Pedro Morganti, de Paulo Moraes Barros, de Francisco Morato, de Mário Dedini, Octávio Teixeira Mendes, João Bottene, Luciano Guidotti, Cássio Padovani, Salgot Castillon, Samuel Neves, Luiz Dias Gonzaga, Miguelzinho Dutra, Erotides de Campos, Jacob Diehl Neto, Pedro Krahenbuhll, os grandes nomes da ciência quase esquecidos, tantos e tantos outros?
Há poucos dias, uma frase foi relembrada como se num canto de dor: “Quando os bons param de buscar, os piores são chamados de melhores.” Está acontecendo, aconteceu. Um Panteão piracicabano seria uma presença eterna para impedir que as consciências se apequenassem. Bom dia.