Tinha que ser no Haiti

Não poderia acontecer, penso eu, em outro lugar da América Latina ou em outra circunstância a morte singular de Zilda Arns, essa que foi e sempre será um patrimônio espiritual do Brasil e da humanidade. Zilda Arns não poderia morrer em Nova York ou em Bruxelas, em Punta Del Leste ou em praias paradisíacas e refinadas do Caribe. Tinha que ser no Haiti, um dos mais miseráveis países do mundo, participando da tragédia imensa de um povo também miserável e sofrido. Zilda Arns estava entre os seus, os humanos mais humildes, os humanos mais injustiçados. Estava entre as crianças famintas, esquálidas e esquecidas, pelas quais dedicou sua vida, doando-a inteiramente.

Para alguns, as pessoas são substituíveis, pensamento medíocre que nivela a todos num mesmo patamar, geralmente o mais baixo. No entanto, todo ser humano é insubstituível, tanto e tanto que nem mesmo, nos quase sete bilhões de moradores do Planeta, há impressões digitais ou arcadas dentárias iguais entre apenas um e outro. Somos criados e feitos de peças absolutamente originais, que não se repetem e que se não substituem. O destino que damos a tal arquitetura privilegiada, esse é problema de cada um, cada qual com sua circunstância. No entanto, há pessoas que – por sua ação no mundo, por sua fé, por sua dedicação e amor – se tornam de tal forma exemplares que passam a ser insubstituíveis, pois tornadas modelos, moldes, formas. Zélia Arns é um molde de amor ao próximo; Zilda Arns é um modelo de cristianismo vívido e encarnado, de vida dedicada aos pequeninos, especialmente à infância desvalida. E Zilda Arns é uma forma de ser humano que deveria ser aproveitada para transformar robôs humanos em gente de coração de carne, com espírito de nobreza e de dignidade.

Zilda Arns tinha que morrer como viveu: na luta, no conflito, na pregação de seus ideais, entre os mais necessitados. Tinha ser no Haiti, onde a miséria humana parece infindável. E apenas um terremoto físico poderia tirar-lhe a vida também física, pois vendavais morais, políticos, furacões sociais, ela os enfrentou com galhardia e coragem. Esta mulher, Zilda Arns, é paradigma humano do Brasil. Bom dia.

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