Tiranos e o ódio criador

picture.aspxTemos vivido uma civilização de pressupostos idealísticos. Verdadeiros para alguns; oportunísticos para outros. Mas quase sempre estéreis na construção daquela humanidade fraterna e pacífica que eles propõem. Entre a honesta utopia de alguns e a dolorosa realidade de milhões de pessoas, a distância é abissal. Já se proclamaram, em todos os tempos, os crimes que se cometem em nome da liberdade e da justiça. Tem-nos faltado, porém, proclamar os crimes e as injustiças e as mentiras que se cometem em nome do amor.

As chamadas civilizações cristãs, de que o Brasil se diz parte, insistem em divulgar que suas estruturas se assentam nos alicerces do amor. São falácias, tem sido falácias. Esse amor cristão, por se revelar mais caridoso do que justo, continua sendo responsável por tragédias sem fim: de um lado, os crédulos na certeza de que “só o amor constrói”, passivos, resignados, sempre prontos a perdoar; e, de outro, aqueles que aumentam e consolidam seus poderes diante da passividade desse amor. Enquanto os povos, na simplicidade de suas vidas, acreditam que “só o amor constrói”, a vida e o mundo estão sendo construídos pelas guerras, pelos choques de interesses, pelos apetites, pelos egoísmos, por um ódio construtor.

Piracicaba assiste, em diversos setores, à tirania conquistada pelo ódio e, como um bumerangue, aos ódios que os tiranos provocam e despertam. Certamente, como utopia, não deveríamos renunciar à afirmação de que “o amor constrói”. É e deveria continuar sendo um sonho bonito, um sonho de amor. Mas, teríamos que, sem preconceitos, avaliar as profundas transformações possíveis de ser conquistadas através do ódio, da raiva, da própria guerra. O ódio pode ser justo e legítimo, numa maravilhosa e fecunda reação diante de jugos, de estruturas pérfidas, de privilégios insuportáveis. Mais do que por amor à liberdade, à igualdade, à fraternidade, a Revolução Francesa nasceu do ódio às opressões, aos privilégios, às injustiças.

A busca do bem pode nascer do ódio, quando assume o sentido de indignação, de limites de tolerância e de humilhações. O ódio tem a capacidade de vencer o ditador, sem qualquer pretensão de convertê-lo. O ódio muda a ordem, estabelecendo uma outra que, por mais paradoxal pareça, é movida por um sonho de justiça. Os subjugados levantam-se movidos pela raiva, pelo ódio à injustiça, pela indignação diante das mentiras. A Unimep e a Prefeitura que se cuidem.

O escândalo dos corruptos e truculentos está provocando rastilhos de indignação entre os brasileiros, permitindo aflorar ódios acumulados. O povo odeia governantes corruptos e lideranças tirânicas. E corruptos e tiranos sabem que são odiados, pois conhecem as próprias mentiras com as quais se mascaram. Quando se ouvem as apoplexias do Poder, de qualquer poder, nada mais se ouve do que vagidos dessa deformação genética da democracia brasileira. Cada governo é a pessoa do governante, não a representação de um povo. É o ovo da serpente.

Vivemos o cansaço da monotonia histórica de um coronelismo atávico em todos os setores da sociedade brasileira, incluindo universidades. No cansaço, está o germe da explosão, do ódio criador: ódio à prepotência, ódio à violência, à injustiça, à arbitrariedade, à corrupção, aos privilégios, às discriminações. Esse ódio é moralmente bom e justificado: há que se odiar o mal, não a pessoa que o comete. Há que se odiar o pecado, tendo-se compaixão pelo pecador. Isso não implica a aceitação da impunidade.

Só não enxergam e não ouvem os que mentem para si mesmos. Também em Piracicaba, há um despertar desse ódio criativo, da cólera santa. Odeiam-se os que traem, os que enganam, os que mentem, os que usam do poder para prejudicar os aparentemente mais fracos. Mas é histórico: os massacrados tornam-se mártires na moenda da corrupção e da tirania. Mártires revolucionam, mudam. Chegamos ao limite: o Poder está com o povo ou contra o povo. Conforme a decisão, haverá guerra ou paz. E bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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