Títulos de cidadania piracicabana
Atualmente, não mais se discute a concessão de títulos de “Cidadão Piracicabano”. A Câmara de Vereadores já se arrogou o direito de conceder tais e outros títulos a quem os nobres edis considerarem que os merecem. No entanto, títulos de cidadania piracicabana foram debatidos e discutidos por longo período, desde meados dos 1960.
A grande questão – que fomentava discussões e polêmicas até mesmo filosóficas – centralizava-se num raciocínio mais agudo: uma cidade e um povo devem, por seus representantes políticos, conceder a algumas pessoas o título de cidadão ou é a cidade que deveria honrar-se e orgulhar-se se alguém quisesse, espontaneamente, ser considerado cidadão desta terra? Quem, na realidade – em nosso caso – é mais cidadão: aquele que aqui nasceu ou aqueloutro que fez a sua escolha de cidadania?
Houve, naquela década, uma situação que se tornou ao mesmo tempo dramática e discurso de ópera bufa. Um famoso jornalista foi indicado para receber o título de “Cidadão Piracicabano”. A questão tornou-se política, pois os vereadores dividiam-se diante da proposta. Ao fim de muitos debates e discussões constrangedores, o título foi negado. E o motivo – não divulgado, mas tratado em conversas de bastidores – foi o fato de o jornalista ter uma amante. Mas – olhando o cisco no olho do vizinho e não a trave no próprio olho – aqueles mesmos vereadores, com uma que outra exceção, eram assíduos freqüentadores da antiga zona do meretrício. E chegavam até mesmo a, na zona, fazer reuniões camarárias informais.
Desde aqueles anos, passei a ter, para mim, que a “concessão de título de cidadania piracicabana” não se tratava de uma honraria que a Câmara Municipal faria a alguém. Pelo contrário, tratava-se – como se trata ainda – de uma arrogância, de uma pretensão. A própria palavra já o explica por si mesma: concessão. Ora, concessão é o ato ou efeito de conceder. E quem concede está dando, permitindo, prestando favor, estabelecendo privilégio. Ou seja: ao se conceder o título a alguém é o mesmo que dizer, sutilmente: “Olha aqui, amigo. Eu lhe estou dando o privilégio de ser piracicabano, fazendo-lhe um favor, permitindo, tudo bem?” E isso seria honroso ou humilhante?
A lógica é inversa. Piracicaba – como qualquer outra cidade – deve sentir-se honrada e orgulhosa quando alguém – decente, digno, honesto, trabalhador – escolhe a cidadania piracicabana, quer tornar-se piracicabano. Pois, na verdade, ser piracicabano é, antes de mais nada, um estado de espírito, um ato de fé, uma vontade. Não basta nascer aqui para se tornar piracicabano. É preciso ser. Muitos dos que aqui nasceram não são e não se consideram piracicabanos. E, no entanto, milhares há que escolheram Piracicaba para ser sua terra, que nos honraram com sua escolha e que nos enriquecem com seus conhecimentos, trabalho e partilha do amor por nossa história e nossa realidade.
Prudente de Moraes não era piracicabano. Nem Luiz de Queiroz. Nem Luciano Guidotti, Mário Dedini, Pedro Ometto, Pedro Morganti, Leo Vaz, nem tantos e tantos homens que construíram a nossa história e que amaram esta terra mais do que muitos bandidos renomados que aqui nasceram. E que por aqui ainda estão. “Ser piracicabano”, portanto, é uma escolha, opção de vida. Os que para cá vêm e participam desse amor e desse estado de espírito nos honram e nos engrandecem. Eles “são” piracicabanos, sem que a grande maioria deles porte “título de cidadania”.
A concessão de títulos – muitas vezes ou quase sempre – se transforma em eficiente instrumento político-eleitoral de vereadores. E o estranho é que muitos deles – arrogando-se a conceder títulos – não receberam, eles próprios, essa concessão, tornando-se piracicabanos pela escolha do povo. O que é mais legítimo: “ser piracicabano” por título, por eleição popular ou por escolha própria?
Nossos vereadores deveriam ter a coragem e a audácia de fazer uma nova proposta: que bastasse um requerimento desses verdadeiros piracicabanos – vindos de tão longe e aqui há tanto tempo – para lhes ser entregue (e não concedido) o título de cidadania, se esse papel tiver tanta importância. A honra é nossa, de Piracicaba. E não cometeríamos a injustiça de – selecionando cidadãos – ignorarmos milhares de pessoas anônimas, trabalhadoras, honestas, decentes que constroem Piracicaba e que são ignoradas.
Volto a pensar nisso porque se discute o título também concedido ao ex-presidente Lula. Qual o problema? Por que não a Lula, se já foi concedido, por exemplo, a José Serra… E José Serra, até hoje, não se dignou sequer em vir recebê-lo. Bom dia.
Os tempos são outros, mas as reuniões camarárias continuam uma zona! Bela reflexão sobre os títulos de “cidadania” piracicabana!
Porto, com orgulho, meu titulo de cidadão piracicabano, conquistado com muitas horas de trabalho voluntário, em retribuição à generosa receptividade e oportunidades que a cidade oferece aos que chegam. e que muitos outros merecidamente receberam.
É legítimo ser e sentir- se piracicabano, por dedicação coletiva e reconhecimento da comunidade.