Toxicômano e idiota

Esse texto foi publicado em 8 de agosto de 1979 em O Diário. E depois selecionado para o livro Bom Dia: Crônicas de Autoexílio e Prisão, lançado em 2014

Um amigo chamou-me de toxicômano e, antes que eu pudesse protestar, completou: “Todo fumante, além de idiota, é toxicômano”. Muni-me da maior humildade possível e acabei concordando. Fui mais longe: idiota, toxicômano, sofista e preconceituoso. Cansei-me de justificar o injustificável, de tentar enganar-me a mim mesmo. Pois a verdade é que não mais suporto o cigarro.

Acontece, apenas, que sou um viciado irremediável, frágil, e envergonhado. Somos, os fumantes, grandes sofistas. Sofisticamos as palavras para roubar-lhes o verdadeiro sentido. Ora, fumar é mesmo um vício não um hábito. Em que diferem, entre si, um fumante ou um maconheiro? Em nada, a não ser o fato de que o fumo é vicio livre, aceito, propagado, divulgado, promovido até por interesses nacionais. Somos tão idiotas que aceitamos, impassíveis, mesmo com a consciência consolada, que a Souza Cruz nos mostre rapazes e garotas saudáveis, transudando energia, transpirando beleza e vigor simplesmente porque fumam o “único fino que satisfaz”.

Consola-nos vê-los em praias douradas, manobrando lanchas incrementadas, vivendo idílicos momentos de amor entre baforadas suicidas. Quando os vejo, aspiro a fumaça do meu cigarrinho com satisfação ainda mais estúpida. Não me interessa meus brônquios estarem entupidos, acordar com o peito doendo da tosse inseparável, cansado, a respiração ofegante. Covardemente, é mais fácil acreditar que o cigarro só faz mal para outros. Viciado? Que atrevimento é esse? Viciado é o que fuma cigarro sem gabarito, o que traga o “quebra peito”. O fumante da Souza Cruz com filtros que neutralizam nicotina e alcatrão — esses não são viciados, são homens de sucesso!

E a mesma história do pobre operário que, antes de ir para casa, vai parando de botequim em botequim. O coitado é um pinguço, bebum. Mas o executivo que toma os seus uísques diários, os que saem cambaleando de clubes e de boates – esses não são pinguços, onde já se viu? Trata-se apensa de um “relax”. Bebedor de uísque não é bebum. Só o de cachaça. Dependente de maconha e outras drogas é viciado. Fumante, não. Pois cigarro não é droga, ora bolas!

Alguém já viu um homem esfarrapado fazendo propaganda de cachaça? Pois eu já vi figuras mais belas e sofisticadas fazendo anúncios de uísque. E, entre um uísque puro e uma batidinha de coco, aqui entre nós, a batidinha é mais saborosa, não? “Toxicômano e idiota…” Tenho que aceitar a ponderação de meu amigo. E continuar sentindo a vergonha de passar por mentiroso quando respondo ao meu filho que apenas não paro de fumar porque não quero, que é a minha distração.

Ah! Mentira escandalosa. Como eu quero parar de fumar! E que desespero esse de saber que não consigo. No fundo, no fundo apenas nós, os fumantes, é que sentimos como os drogados são injustiçados. Bom dia.

2 comentários

  1. Luiz Carlos Pauli em 07/05/2018 às 09:55

    Eu já acho que esses antitabaco, são recalcados, pessoas que tiveram uma infância sofrível, sofreram muito, inclusive buiyling, e hoje para se sentir seguros, aceitos na sociedade, começam a atacar todo mundo. Esses antitabaco, precisam se sentir superiores, eles querem mostrar que todo mundo está errado, só eles estão certo. Pobre antitabaco, vão morrer de câncer,infarto,AVC, e prestar contas do outro lado, pela dimação ao próprio semelhante. Tristge fim de um antitabaco.

  2. Claudio D'Amato em 07/05/2018 às 14:40

    Sou fumante consciente e não vou parar porque não estou a fim. Não reconhço essa paranoia antitabagista que assola o mundo com uma praga. Não preciso conviver com antitabagistas. Se estiver cada um no sur canto, tudo se acerta. Quando vão permitir que se crie establecmentos para fumantes, separados de não fumantes. Seria simplíssimo. Esses antitabagistas que vão para o raio que os parta. Velhas beatas virgens de igreja, solteironas é o que parecem. Quanta apurrinhação!

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