Trágico programa de índio

picture (98)Como tudo se repete, repito-me também. Há cerca de dez anos anos, escrevi sobre a tragédia que se desenhava em terras de Roraima entre índios e brancos. Vi com meus próprios olhos. Ora, também de índios, nada entendo. Nem de reservas indígenas e do porquê de muitas delas. Aliás, índio, índio de verdade vi apenas alguns, a serviço do turismo amazônico. Mas, desde criança, impressionaram-me os pintados por Victor Meirelles, no quadro “A Primeira Missa do Brasil”, índios bem-educados, em feliz convivência com o branco conquistador. Achei romântica a cena. Eram os próprios “bons selvagens” voltaireanos.

Minha geração não se esquece de Diacuí. Fomos impactados pelo amor explosivo entre a índia Diacuí e um sertanista – um certo Aires, não sei se da Cunha, se Mello – no início da década de 1950. Assis Chateaubriand e David Nasser, na revista “O Cruzeiro” e em todos os “Diários Associados”, uniram o Brasil em torno do romance, nessa nossa velha vocação brasileira para as novelas. A índia e o sertanista amaram-se e poderiam ter vivido, felizes para sempre, no mato onde se encontraram. Mas “O Cruzeiro” resolveu que eles deveriam casar-se em grande festa no Rio, tendo Chatô como padrinho, acho que em 1952. A moça logo engravidou e a transformaram em atração de circo, sob o pretexto dos benefícios da civilização. A novela teve final infeliz: a heroína, a índia Diacuí, morreu no parto.

Vi índios em Manaus, em Belém, em Alagoas, alguns em Itanhaém. E uma aproximação maior, tive-a, com eles, em Boa Vista, Roraima, onde se previa uma outra guerra entre índios e brancos por demarcação de terra. Ainda hoje, Roraima é-me um frio no estômago. Imagine alguém voar até Roraima pensando estar indo a Rondônia. Aconteceu comigo. O jornalista amigo me telefonou, convidando-me a um grande projeto de comunicação: jornal, rádio, televisão. “Aqui em Boa Vista, Roraima…” – falou. Escutei e ouvi. Mas em minha cabeça registrei: “Boa Vista, Rondônia.” E lá me fui, passagens e hospedagem pagas.

O vôo fez em escala em Manaus e não entendi. Na manhã seguinte, levaram-me ao aeroporto, destino certo: Boa Vista, Roraima. Mesmo dentro do avião, minha cabeça mantinha o mesmo registro: “Boa Vista, Rondônia.” Então, vendo Boa Vista, entrei em desespero, lembrando-me, enfim, de que a capital de Rondônia é Porto Velho. Portanto, se eu estava em Boa Vista, isso significava que Roraima não era Rondônia. Elementar.

Quando o jipe me deixou à porta do hotel, vi não se tratar de hotel. Nem chegava a pensão. E o lugar não era real, mas cenário de faroeste em filme de John Ford, o próprio “No tempo das diligências”. Havia, à porta do boteco, travessões para amarrar cavalos. Bandidos e mocinhos estavam lado a lado, fumando, bebendo, jogando, dançando, como num saloon. Prostitutas e mães de famílias, crianças, adultos, fazendeiros, políticos. À entrada, um aviso: “Não nos responsabilizamos por armas.” Tive certeza: John Wayne surgiria de repente e eu morreria no tiroteio.

Em Boa Vista, vi índios e brancos traficando bebidas e gasolina da Venezuela para o Brasil; negociando diamantes; oferecendo cocaína. Meu amigo explorava uma jazida em reserva indígena. Outros brancos tinham negociado com índios para explorar-lhes as terras, a troco de calhambeques, de muita bebida e festa. Isso aconteceu há 30 anos.

Agora, o Exército se mobiliza para evitar a tragédia anunciada e antevista por qualquer um minimamente informado. Carnificina é festa de arromba numa região onde impera a lei do mais malandro. E continuo não entendendo o porquê de tanta terra para tão poucos. Lei de civilizados não impera onde a lei é não ter lei. Bom dia.

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